Já não me doem as palavras
Do que sou, já não me perco. Do que quero, não me afastarei.
Já não me doem as palavras que dizem de mim. Como não me aliviam.
Não pesam mais. Ocas, doutros, sem eco aqui.
Porque sei que não posso ser luz e deixar de ser sombra.
E que nalgumas tardes me alongo nos outros, desfeita de mim.
E sentem de mim o que já perdi. Em pedaços que não sou eu.
Porque vazios. Da luz que dou e em que me esgoto.
E já não sou nem uma coisa nem outra. E nem o que de mim fizerem.
Para lá de todas as palavras, eu, serei sempre o que sou.
Em luz ou sombra.
Laços
Como da primeira noite que viveu com ela. A olhar-lhe o sono tranquilo.
Á procura de respostas para as perguntas que ainda não conhecia.
Incrédula do que acabava de lhe acontecer. Um desejo feito milagre, feito gente!
E a construir o caminho que julgava já feito para dentro de si. A dizer baixinho, és minha e eu sou tua!
Até não ser mais preciso. Até que o cordão, que alguém cortara, se ligasse de novo, de forma invisivel mas forte e sentida. E fossem de novo uma dentro da outra. Mas distintas. E á vista uma da outra.
Para o abraço, para o colo, para a troca das palavras e dos afectos a crescer em reciprocidade.
Sabe-a diferente e ás vezes tão igual!
É aquilo que a separa de si que verdadeiramente a define. A faz como é. Única e singular.
O que construiu nela das e pelas vidas dos outros que a rodeiam, fez dela o que é agora. Em cada encontro, tocado ou cruzado. Em cada momento vivido, sofrido. Em cada lágrima ou riso. Em cada pessoa, em toda a gente.
Os desafios, os confrontos, os entendimentos, as semelhanças.
Pertencer ou não. Partilhar ou não. E construir-se a partir de tudo isto como propósito final.
Ser quem é. Claramente. Assumir-se sem afrontar. Sendo só.
Como tão bem sabe fazer.
Em sobressaltos, a dificuldade de viver articuladamente e em sintonia com o que é, pensa e sente. Sempre, mesmo quando a dor é muita .
Aprendeu que prestará contas de si a si própria. A mais ninguém terá de o fazer.
Assumirá as consequências. Ninguém pagará as suas contas.
E é isto que é dela. O que é agora, ainda em construção. Que assume.
Olha-a até não a ver mais. E fica assim, parada sem saber o que fazer.
Não a quer deixar já sózinha.
Tivesse ela um canto dentro de si e embarcaria nele, para a confortar e apaziguar sempre que fosse necessário.
Como há tanto tempo já , ela mãe, a transportou a ela, filha.
Run
Run - Snow Patrol
I'll sing it one last time for you
Then we really have to go
You've been the only thing that's right
In all I've done
And I can barely look at you
But every single time
I do I know we'll make it anywhere
Away from here
Light up, light up
As if you have a choice
Even if you cannot hear my voice
I'll be right beside you dear
Louder louder
And we'll run for our lives
I can hardly speak
I understand
Why you can't raise your voice to say
To think I might not see those eyes
Makes it so hard not to cry
And as we say our long goodbye
I nearly do
Light up, light up
Slower slower
We don't have time for that
All I want is to find an easier way
To get out of our little heads
Have heart my dear
We're bound to be afraid
Even if it's just for a few days
Making up for all this mess
Decisões
Surpreendi-me sempre. Mostrava uma cautela e um cuidado invejável. Pesava tudo com muito cuidado. Deixava muitas vezes de lado as coisas que lhe garantiam um maior prazer em troca da satisfação dum dever cumprido.
Pedia-me sempre ajuda, que não lhe negava. Ponderávamos muitas vezes em conjunto as situações. Mas era a ela que cabia decidir.
Muitas vezes lhe via tristeza. Mas o resultado final acabava por compensá-la. E então, orgulhosa, dizia-me " Ainda bem que tomei esta decisão, não estou nada arrependida!"
Era a leveza do resultado das suas decisões que a empurrava para o caminho certo. E os passos pequenos que dava ainda preparavam-se para crescer com alguma segurança. Conhecia os caminhos, porque tinha o cuidado de os tentar perceber ainda antes de os calcorrear. Levava o seu tempo nas decisões. Ás vezes quase se perdia na ânsia da resposta. Mas não tomava atalhos.
No fim, sabia que era ela o motor da sua vida. E que era capaz! A ninguém devia o que alcançava.
Um dia, confessou-me que esta minha atitude a tinha feito sentir maior, mais importante. Crescer. Mas que tinha sido uma das coisas mais dificeis que eu lhe tinha "deixado" fazer.
Ser livre, poder decidir, parecia ter-lhe facilitado as coisas. No entanto foi o contrário que aconteceu. Tudo começou a ter peso e valor. Conta e medida. Cada acto seu seria reflexo em si ou nos outros. E não porque lho mandassem fazer, mas porque ela o escolheu fazer!
Ela tinha na sua mão o poder da sua vida e dos seus actos. E por consequência a dos outros.
E era tão dificil, tão pesado e enorme ás vezes!
Tenho agora o dobro da idade dela. E sinto da mesma forma!
E ás vezes apetece-me que sejam os outros a decidir. Não para que sejam eles os responsáveis.
Mas para poder ser só a menina obediente que faz o que lhe mandam sem pensar.
Porque muitas das minhas decisões me deixam triste e são em prol dum bem maior, que não é o meu!
E só se torna meu se souber, que apesar de tudo, alguém fica feliz!
Porque assim terá valido a pena.
Se carregar na memória gente feliz, todas as minhas decisões terão sido bem tomadas, sei disso!
Despedida
Pedras
Se fosse chão...
Ás vezes mando no tempo
I've been let down
Mazzy Star- I’ve been let down ( do blog My Fly Away)
I've been let down
And I still comin' round
I've been put down
And i'm still comin' round for you
Comin' round for you
Take away everything that feels fine
Catch a shape in the circles of my mind
Make me feel like i belong to you
Make me feel even if it ain't true
Catch a train on a silver afternoon
A thousand miles and i'm getting there too soon
Take me there when i should be going home
Tell me why i still feelin' all alone
I've been let down
Quatro anos
Foram quatro anos longos. Que em muitas alturas lhe pareceram intermináveis. Cheios de lutas, de atropelos, cansaços e prazos. Vencidos em extremos que nunca julgou aguentar.
A todo o momento achava que não conseguiria. O cansaço físico, o psicológico, as condicionantes tão presentes, as faltas sentidas... Tanta coisa! E estava já aqui.
E mal podia acreditar que agora escrevia, para juntar ao trabalho final, os agradecimentos a todos que de alguma forma a acompanharam.
De vez em quando desenha-se um sorriso. Pára e deixa-se levar nas memórias que vêm até ela. E uma lágrima lava o sorriso. Porque tudo estava já lá para trás.
Escreve e apaga, repete de novo. Não, não posso dizer isto. Mas era importante que ficasse.
Talvez contar quando no meio de horas perdidas, com a cabeça no meio dos livros, alguém se levantava e perguntava, quem quer café? E uma folha circulava por todos. Cada um pedia o que queria. Como num bar. Era a hora do "cunbíbio". O cigarro fumado á pressa e o café para atrasar sonos.
Onde é que já vais? Já leste isso tudo? Vou ter de me despachar para te agarrar. E voltavam ás mesas cobertas de livros e papeis. Trocavam apontamentos. Os melhores, os mais bonitos eram escolhidos. Tudo servia para fugir á lembrança da tarefa árdua...
Agora já no fim, prevendo a falta de tanta canseira, prometeram estudar o código da estrada. Fazer revisões e tirar apontamentos. Logo que acabem o curso. E depois... "cunbíbio"!
Hoje sonhei
A noite, dentro da noite do sonho, começava-se a fazer-se devagar. As cores que se punham, alongavam-se para além do espaço que alcançava.
Puxavam-me até si. Lentamente. Flutuava...
Enfeitiçada deixei-me abraçar nos castanhos, laranjas, amarelos torrados, que me aqueciam e deixavam leve. Como se fosse um balão e voasse ao ritmo de brisas suaves e ternas.
Música, sim , havia música. Não me lembro qual. Mas tudo era sintonia. Era a que deveria haver!
E gente, havia gente também. Que rodopiava em coreografias perfeitas. Alguns rostos familiares. De memórias felizes.
De coisas repetidas, vividas doutra forma. Senti-lhes as vozes e as palavras ganharam sentido.
O mar estava lá. O meu mar. Dum pulo alcancei uma ilha donde tudo podia alcançar. Via sem ser vista.
Apeteceu-me guardar tudo e tanto para sempre. Procurei a minha máquina fotográfica. Vasculhei tudo que nem imaginava ter levado. Não a encontrei.
Tinha de voltar atrás. A um tempo e um sítio onde ela estivesse. E correr. Regressar a tempo do tempo não ir embora. Aquele tempo!
Atirei o pulo. Fiquei no vazio. O mar perdia-se num abismo que não estava lá antes. Tudo estava distante e pequeno. Restava-me a queda. Tudo acabava ali, assim.
Impossível voltar atrás...
Lembrei-me no sono que sonhava. Deixei-me domir, mas fazer do sonho o que queria.
Voltaria atrás. Desceria mil degraus ou o que houvesse a fazer. Iria buscar o que nunca deveria ter deixado para trás.
Fi-lo num corropio incansável.
E a preguiça da noite a desfazer-se. E a vida a acontecer.
E eu corria e passava ao lado das coisas sem as ver. Para agarrar um momento que já não era. Que nunca mais seria!
Agora carregá-la-ei comigo sempre. Disse-mo o sonho.
Testemunhará tudo e fará eco das coisas que sei e vivo.
Porque não posso editar a vida como o faço nos sonhos. Porque tudo o que acontece tem um único tempo.
Tempo que não se compadece do valor que esquecemos de lhe dar. E que se esgota. E que nunca se repete.
Estar de corpo inteiro, mala feita, bagagem completa, é o desafio!
Prisioneiro duma janela
(Quem sabe aquela de onde não deveria ter espreitado!)
O menino dos sonhos
Tão grande?!
É mentira, É tudo mentira. Dizem os outros.
Levanta-se e enfrenta-os. Mentira?! Estiveram lá? Viram?! Olha para nós em desespero.
Acalmamos uns e outros. A ele dizemos, talvez não tão grande, a memória engana-nos. Aos outros pedimos que o deixem sonhar. É o que tem.
Veste de novo as asas do sonho e os olhos brilham. Sabemos que são os únicos tempos em que brilham. Em que sonha que vai arranjar rádios, bicicletas. Ou vai pescar tainhas enormes! Que as cobras que vê são gigantes! Que vai viajar até Lisboa onde tem parentes ricos. E amigos! Muitos! E que ri também.
Nas asas dos sonhos que ele tem, é um menino feliz! Como lhas podemos cortar?
Porque é mentira. Os outros têm razão.
Que me perdoem todos mas eu acalentei-lhe os sonhos, tentei dosear-lhe as mentiras que contava para si próprio... Mas sentia-o tão feliz!
Aqueles olhos!
A vergonha de viver assim. De ter tão pouco e tanta miséria. De querer tapar o bébé que trazia ao colo nu, sujo, com uma manta que perdera a cor nas nódoas que a cobriam.
Em pé, atrás do portão que nos abria, de costas para um pátio onde algumas galinhas debicavam no meio de estrume espalhado pelo chão,olhava para nós sem saber o que fazer.
Ao fundo nas velhas capoeiras desocupadas, viam-se o que agora eram os quartos dos outros membros da familia.
Viviam ali naquele pátio, desde que há anos o pai "enganara" a mãe e a engravidara.
Ela era a "tolinha" da terra, rapariga forte, roliça, engraçada. Ele tentou-se. Depois sentiu-se responsável. Tomou conta dela e da prole que dali veio.
Protege-a como se cuidasse da penitência atribuida á culpa do que fez. Fá-lo-á sempre. Até ao fim. Sem um queixume. É a sua cruz. Ninguém o desviará dos seus propósitos. Ninguém fará mal aos seus. Será o seu fiel guardião. Sempre. Com todo o amor que tiver para dar.
Tem mais dois irmãos ambos com deficiência mental. Só ele sabe o que é viver assim.
Só ele conhece a dor. Só ele vê a diferença e sente a vontade de ir para além do que vive ali. E não carrega a culpa. Porque não a tem. Tem os sonhos da idade dele e o desespero duma vida assim.
Sente a vergonha que lhe vejo nos olhos e o desconforto de se ver assim e querer ser outro noutro lado qualquer!
Pudera eu voar!
Sequência do Filme “Mar Adentro"
Porque mesmo num corpo parado e morto os sentimentos continuam a sua vida, os sonhos que nascem deixam de o ser nos pesadelos em que se transformam.
As pequenas distâncias tornam-se inalcansáveis.
Os pequenos gestos impossíveis.
Os toques desejados são desejo, só. Sempre contido porque impossível.
O abraço, o colo, o beijo...
E os dias perdidos contados e descontados em agonia. Cada vez mais e mais!
E os sorrisos, e as pequenas coisas a perderem magia e a ganharem dor e lonjura maior!
E o desejo das noites e dos sonos e do sonhos em que a vida se vive como se deve viver.
E acordar de novo. E querer para sempre dormir. E voar para lá das coisas.
Para ser o que se foi. O que se é.
O que se deve ser quando se vive. Inteiro. De corpo e alma.
Com tudo a que se tem direito!
O peso de se ser amado
Do peso. Da carga de se sentir a espera do que não se tem para dar.
Da sofreguidão contida nos gestos e nas palavras de quem ama sem ter retorno na esperança de o alcançar.
Sabe de o sentir agora de forma viva, presente e de lhe tirar a paz.
Sabe do peso que carrega porque gosta de se dar. No mesmo peso e medida. Com a mesma intensidade.
Na impossibilidade de o fazer sente-se parte só do que é. E luta por ser o todo que precisa ser, sempre.
Fica-se em turbulência. Sonha-se num pesadelo que adivinha a incapacidade de se entregar e amar da mesma forma.
Instala-se uma guerra a que pede tréguas. De forma desesperada. E urgente.
Procura a paz. Sem pesos.
Desacerto
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Düa cousa confio e desconfio.
Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.
Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;
Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!
Camões
Sempre invejei quem de mim soubesse melhor que eu. Quem dissesse de mim melhor do que eu poderia alguma vez fazer.
Não inveja de querer mal, mas inveja para querer ser assim também.
Da mesma grandeza sendo tão simples assim. Sinto-me criança em ânsia de crescer no colo de quem me embala falando-me assim.
Percebo-me melhor porque me sei nos outros. E sei que sendo estranha também sou igual.
Quando encontrei este poema por aí, na mesma altura em que me sentia assim, serenei.
Foi o eco das coisas que perdia num vazio que teimava em crescer cheio de desacertos que me devolveu a paz. Sentir-me igual, humana ainda, foi a resposta a que nenhuma pergunta fiz e que se enrolava no ar, enrolando-me também. Em rodopio. Pondo-me tonta e sem rumo.
Que bem que os poetas nos falam! Que bem legendam os sentires que nos habitam em transgressão. Porque se estranham de tanto sentir á toa. Sem rumo.