Não, não era a noite que sufocava. Era ele que ficava sem ar.
Uma súbita vontade de liberdade duma qualquer coisa que lhe oprimia o peito.
Destapou-se. Olhou á volta. A seu lado, ela, dormia repousada.
Tentou ajustar a almofada, mudar de posição sem que ela desse conta. Um formigueiro estranho invadia-o. Não sabia de onde nem para onde. E o ar a faltar-lhe.
Sentia-se implodir. Uma chama devorava o rastilho que sentia apequenar-se sem piedade.
Não queria perturbá-la. Levantou-se em silêncio numa ânsia de mais longe.
Percorreu o corredor ás cegas. Na cozinha bebeu um copo de água. Respirou fundo, quase se engasgou.
A luz dos candeeiros da rua estendia-se até ali. Que horas seriam?
Sentou-se e logo se levantou. Tinha de fazer qualquer coisa. Com urgência.
Há algum tempo que nada acontecia nele. Sentia-se amorfo. Respirava, só.
Vasculhava em si as ideias que tardavam em fazer-se. Sentia-se perdido na imensidão do nada.
Uma vontade a crescer em terreno baldio que não conseguia exprimir-se deixava-lhe um nó que agora parecia desatar-se.
Do outro lado da casa, ao fim do corredor que agora atravessara, uma porta fechada aguardava-o. Guardava bocados da sua alma.
Coisas inacabadas. Pincéis em copos sujos de tinta, telas desvirginadas em começo de namoro.
Foi para lá que se dirigiu, decidido. Na sua cabeça atropelavam-se em filas desordenadas as pinturas que ainda não fizera.
Pegou nos pincéis, abriu latas de tinta, tirou dum cavalete uma tela sem futuro…
As imagens corriam-lhe até aos dedos agora em ânsias de se fazerem e serem os sonhos que há muito deixara de sonhar.
Não se lembra de ter ouvido barulho nenhum. Nem do passar das horas.
Estava num sítio de que tinha saudades e não sabia.
Quando ela abriu a porta á sua procura deparou-se com o homem por quem se tinha apaixonado. Ali estava todo o vigor, a magia, a vida que sempre soubera existir.
Ficou-se a vê-lo naquele frenesim de cores e estocadas de pincel.
Devagar, deu meia volta e encostou a porta devagarinho.
Aquele era o tempo dele.
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