Ouvia as vozes, os risos, adivinhava as brincadeiras pelos passos que ficavam a ecoar através das paredes que os separavam.
Agora vivia sozinha mas já tivera a casa cheia. Uma vida dedicada a tantos que com ela partilhavam o espaço. Filhos, marido e até algumas vezes os netos com as traquinices que lhe vinham á memória pelos sons que as paredes fracas não abafavam.
Desejara em tempo um tempo só para ela. O canto refúgio que lhe guardasse os sonhos que não pudera sonhar. Adiados sempre para um dia qualquer. Um dia…
A pouco e pouco despediram-se de si aqueles a quem se dedicara. Aqueles que lhe ocupavam a vida e dela faziam ninho. Ficou feliz a vê-los partir e a construir também.
O marido há muito que não fazia parte da vida dela. Era agora marido de alguém noutra casa qualquer. De vez em quando via-o e confirmava a sua felicidade. Fazia-lhe bem.
Ela também ocupara e ficara na vida doutros… Por pouco tempo. Sempre por pouco tempo. Temia abalroar espaços e deixar-se abalroar.
Ia buscar os sonhos a sítios desconhecidos e acordava-os fazendo-os reais. Pintava agora. Não se preocupava com alguma anarquia que reinava entre as coisas dela. Pincéis ainda com cor de tinta, telas em cavaletes espalhadas por sítios de luz, frascos, tubinhos e mais frascos coloridos por todo o lado a espreitá-la e a chamá-la a fazer o que descobrira gostar.
Jorravam imagens de dentro dela. Imagens que tentava agarrar e transportar para aqueles painéis brancos ávidos de cor.
Eram música aqueles sons de vida que se apoderavam do seu espaço. Música de fundo a sonhos a desenrolar-se. Deixava-a invadi-la. Dançava a par com ela. E ela sorria feliz naquele canto refúgio que tantas vezes desejara.
Pendurados nas paredes sorriam para ela os rostos desenhados através da neblina, que ela sempre amara. Lugar de mistério e magia.
Conhecia agora a plenitude. Sentia-se livre e tranquila.
E partilhava-o com ternura.
Era conhecida como a Senhora dos Sorrisos.
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