A doença


Uma qualquer coisa que o prendera há muito instalara-o na porta dum tempo que teimava em não se deixar avançar.
Pesado demais para um corpo que deixara a pouco e pouco desaparecer. Porque tudo desaparecia.
Só o tiquetaque metódico persistia, gotejando sem jeito de se ir.

As vozes que foram gente são agora fantasmas que povoam noites mesmo que o sol as ilumine. Tem-lhes agora medo de tão estranhas se terem feito.

De vez em quando um sorriso assoma-lhe os lábios, agora mudos.
É a presença das memórias que teimam em fazê-lo achar-se vivo.
Logo murcha de tão vago ser. E o olhar que se fixa num ponto sem destino, vagueia á procura doutros esgares.

Porque está neste lugar, não o sabe, já. Perdeu-se a razão na ausência dos que amava.
Nem sabe mesmo que lugar é este. Para quê dar-lhe um nome se não o quer para si? De que lhe valem os nomes se nada lhe dizem?
Se mesmo assim se perde, por não saber mais o que procurar…

E afunda-se, talvez subindo por tão penoso lhe parecer.
Para sempre só.

Dizem que a doença o levou ali.

Sem comentários:

Enviar um comentário