Caracóis...

Não sei que mania louca têm as crianças de cortar os seus cabelos….
Eu própria o cortei um dia.
A lembrança flui como se fosse hoje … atrás da porta da oficina onde a magia acontecia. O cheiro a vapor no ar com o feltro à mistura, as formas de madeira que insuflava os chapéus, os moldes, a grande tábua, o ferro pesado e alto e as tesouras de mãos gigantes que domesticam as formas…
As tesouras …monstros de ferro, grandes e grossas. Pesadas.
Também elas domesticaram o meu cabelo, matéria-prima que possuía ao desbarato.
Os caracóis caíram um a um enovelados. Mãos pequenas a tomarem posse da vida.
A controlar o destino de si própria. A heroína… que a pouco e pouco baixa as armas. Como fazer? O que fazer dos despojos, agora no chão sem vida…
Atrás da porta a um cantinho onde ninguém vai descobrir, tenho a certeza. Aí, é aí que ficarão escondidos de todos. Ninguém saberá desta investida, quer à oficina, quer à tesoura.

Atrás da porta, como se a prova não caminhasse comigo…

Atrás da porta, como quem guarda para sempre e julga não voltar a ver.
Como quem varre para debaixo do tapete e julga o crime desfeito.
Como se nada acontecesse.
E as provas, essas ficam connosco.
Dizia-me a minha tia que “ mais cedo se apanha um mentiroso que um manco”.
Mais cedo se revive o crime do que se pensa.
Espreita a toda a hora indevidamente. Culpa, consciência…
Prefiro chamar-lhe “grilo”, como lhe chamava o criador de “Pinóquio.
O meu “grilinho”, com suavidade, para n doer tanto… como se a dor tivesse medida ou peso.
A consciência plena dos actos que convivem connosco e nos moldam. Umas vezes de forma doce, outras de forma agreste e dura. Quase sempre dura. Quase sempre agreste. Como cutiladas…dum qualquer mestre escultor.
Atrás da porta… Quantas coisas pomos em espera… a aguardar julgamento.

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