Em mim um céu..

Em mim, um céu. E toda a vida. Em mil cores.
Em mim, a vontade de te ter assim. Inteiro e igual a ti.
Absorver-te num abraço dum tamanho desmedido. E entregar-te pedaços de mim.

Aninhada em ti, renasço. E a cada instante dou conta do que sou.
Com a limpidez que me devolves, sou maior. Percebo o tempo e as memórias de que sou feita. Tudo volta ao seu lugar sem ajustes. Como se nunca de lá tivesse viajado. E nunca se tivesse perdido de mim.

Como tu nunca te foste. Em tempo algum.
E no entanto, sentir-te a falta. Como se em ausência e silêncio habitasses.

Olho-me. Olhas-me.
Afundamo-nos no olhar e sentir de cada um. Para vivermos dentro de nós.
Onde pertencemos desde a aurora dos tempos.
Onde somos o que somos e queremos ser.
Onde tudo é possível. E os sonhos não são miragens.

Num lugar sem idade. E sem distâncias.

Correm rios

Nos seus olhos, correm rios que desaguam dentro de si.
Brilham na luz que os reflete e amparam-se aí, nas margens dum sorriso que desenha para o suster.
Dentro ruge um oceano, numa raiva incontida. Á superfície é outro que em si transporta e o faz ser como é. Tranquilo e sereno.
Porque não sabe de raivas nem de ódios. Porque não conjuga os verbos de o ser. Nem o tem na vontade.
Foi de amor que se construiu em todos os tempos e conjugações. São-lhe estranhas estas linguagens que não consegue entender.
Na sua garganta, cala-se a voz enjaulada. Nunca saberá como e o que dizer.

Parece alheio, ausente...
Só nos olhos gritam os rios que não sabem correr para outros lados, perdidos nos rumos do desespero.
Que sente presente. Porque está e sente.

Ar(a)mada

Nunca seremos nos outros o que somos dentro de nós.

Mesmo que se esbraceje dentro da armadura que nos põe de pé.
Habitam-nos tumultos que se instalam sinuosamente em formas que não deviam ser.
Apertam, sufocam e quase explodem de querer ter nome. Um nome que não se conhece.
Que se altera e aninha, num canto qualquer, perdido do que somos.
Que demora e dói a crescer. E nunca tem o tamanho que deve.

Para quem nos visita, somos o que vê do lado de fora do que somos.
Nada mais. Somos o inverso e a crosta da ferida que nos arde a todo o momento.
Umas vezes, rosada e sadia. Outras, tão sem forma e purulenta ...
E somos sempre. Em todos os momentos, sem repouso e acalmia.
Mergulhados no desejo de serenar.
E sermos então o que queremos. Nos outros. Em nós. Da mesma forma.
Sem distorções.
Livres de sermos o que cresce em nós. Sem cuidar do que os outros vêm.
Sermos sem arames ou apertos. Como somos. Só!

O sono num sonho

Lembro-me de pensares nos sonos tranquilos que me sentias.
E de os quereres para ti também.

Viravas-te e falavas adormecido. E eu dava-te o espaço que nunca me pedias.
Respondia-te baixinho e selava-te as vozes, com os meus lábios nos teus, de mansinho.
Estremecias, serenava-te. Queria-te, como agora te quero. Bem.
Sabia. Sempre soube dos fantasmas que te habitavam.
Dos nomes que tinham e do que tinham plantado em ti.
Nunca lhes tive medo. Não cabiam no meu mundo. Não havia para eles lugar.
O que lhes podia dar não os alimentava.
Disfarcei-te de mim. Em todas as noites que não dormi e te quis ensinar a dormir.
Vesti-te o meu sorriso, bordei-te de ternura com os poucos gestos que sei.
E não lhes deste guarida. Nunca mais. Porque se perderam de ti.

Tens um sono tão doce e sereno, dizias-me.

Num sonho em que finalmente me enrosquei dormia, sim.
Mas só aí. Até lá, olhava-te pela noite fora.
Incrédula de te saber ali, comigo. Apesar de tanta coisa!
E porque te era necessária. Me era vontade.

Agora, que te ouço assim, meu sonho é um futuro desenhado num lugar que me apetecia conhecer.
Onde não se sonham sonos. E não habitam fantasmas.
E dormimos tu e eu. E são os sonhos que se aninham em nós.

O meu amor...

"O meu par está aí para me mostrar como eu sou."
(frase extraída do Livro " Amar de Olhos Abertos" de Jorge Bucay e Silvia Salinas, Pergaminho)

Nas danças da vida e nas do palco que partilhamos em fins de semana dançantes, ao ritmo dos nossos ritmos.
Na pergunta e na resposta que sem tempo antecipamos.
No gesto, no toque. Na doçura, na rigidez.
Em tudo quanto me devolve, me revejo e sou.
É reflexo. É mimo de mim. Em bailado de dor e alegria quando tem de ser.
Para me fazer melhor. Do tamanho que queremos ter. Da altura que queremos alcançar.

O meu amor está aí para me mostrar como eu sou.
E continuamos o nosso caminho, de mãos dadas, ao lado um do outro.
Olhando as mesmas águas.
Vivendo sonhos diferentes que partilhamos.
Voando para destinos diferentes, desconhecidos, que descobrimos.
E regressamos a nós á procura do que somos porque nos sabemos tão bem!

Sou peneira

Sou peneira quando te sinto esvaziar de ti, devagarinho.
E separas então, comigo, o que é para separar. Ficam claras as fronteiras. E sinto-te em luz.
Uma luz que não ofusca, nem fere. Mas acalma.
Uma luz que permite ver, em ti , para além do lusco fusco que te abrasa e consome.
Porque te filtras em mim!
Sabe-me bem ver-te despir das coisas que se fizeram, em ti, sem que assim o quisesses.
Ver-te nascer asas onde havia grilhões.
Crescem-me sorrisos a par com os teus e cantamos hinos a uma liberdade reinventada por ti.

Sou peneira e sou feliz!

Angel


Angel - Sarah Mclachlan
Spend all your time waiting for that second chance
For the break that will make it OK
There's always some reason to feel not good enough
And it's hard at the end of the day
I need some distraction or a beautiful release
Memories seep from my veins
Let me be empty and weightless and maybe
I'll find some peace tonight
In the arms of the Angel far away from here
From this dark, cold hotel room, and the endlessness that you fear
You are pulled from the wreckage of your silent revelrie
You're in the arms of the Angel; may you find some comfort here
So tired of the straight line, and everywhere you turn
There's vultures and thieves at your back
The storm keeps on twisting, you keep on building the lies
That you make up for all that you lack
It don't make no difference, escaping one last time
It's easier to believe
In this sweet madness, oh this glorious sadness
That brings me to my knees
In the arms of the Angel far away from here
From this dark, cold hotel room, and the endlessness that you fear
You are pulled from the wreckage of your silent revelrie
In the arms of the Angel; may you find some comfort here
You're in the arms of the Angel; may you find some comfort here.

Fa(lan)do em ti

Não preciso de te olhar para ainda te saber.
De tocar-te para sentir-te, de tal forma és em mim!

Vesti-me de ti um dia, para que nunca te fosses.
E dentro de mim ficaste, até que a ti me juntasse.

Nos teus pés, ainda danço, sinfonias de encantar.
No teu colo, ainda me enrolo, até a calma chegar.

Sei que estás sempre comigo, nos sorrisos que me abres.
És o sal das minhas lágrimas, as penas das minhas asas.

Minha voz, quando te canta, traz-te de volta p'ra mim.
E a saudade... Não existe. Porque persistes vivo, assim!

O Francisco e o Louva-a-Deus

Estava eu de cócoras, nas escadas da entrada do meu prédio, quando ouço o Francisco chegar.

O Francisco é um menino que vi crescer. Senti-o ainda na barriga da mãe. Tenho-o sentido em todo o seu percurso.
Esperto, vivo, sempre risonho e pronto para novas aventuras.
Dos filhos que o prédio viu nascer, ele é o que lhe dá mais vida. Ouvimos-lhe os risos ainda vem no elevador.
Sabemos-lhe das histórias pela boca dos avós que o adoram e ajudam a crescer. Apreciamos na mãe a coragem, a força e a alegria que lhe transmite.
Ele é o sorriso do prédio.

Curioso, baixa-se e pergunta-me o que estou a fazer.
Mostro-lhe um Louva-a-Deus, verde e esguio, que está parado sem saber para onde ir no meio da escada. Digo-lhe que estou a tentar ajudá-lo a sair de lá, antes que alguém o pise. Tento com mil cuidados que ele suba para o meu porta-moedas e assim devolvê-lo á natureza.
Levanta-se e a par com ele o pé pequeno que direcciona com impeto ao meu náufrago.
Grito a par com a mãe que assiste, assustada com a reacção do filho, Francisco!
Ficamos suspensas no acto que chega sem remédio.
Assenta o pé junto ao Louva-a Deus, com um forte impacto. Este assusta-se, dá um pulo, abre asas e voa para longe da escada.
Vês, era só preciso assustá-lo! Não sabes que ele tem asas e voa?
Respirámos de alívio e recuperámos a confiança no rapaz.
Já não é o bebé a que estávamos habituados. E no gesto apressado dele, estava a resposta simples para a salvação do Louva-a-Deus.

Acreditamos tão pouco na bondade inata das crianças!

O meu Deus

Acredito, porque preciso e sinto cá dentro, que alguém vela por mim. Mesmo ausente e distante.
Acredito que sei quem é. Porque só ele pode ser.
Já aqui, ao meu lado no seu colo e nas suas conversas o fazia.

A ele dedico as minhas vitórias, as minhas derrotas. Cada dia e cada pessoa que por mim se cruza, trazem-me pedaços que guardo com amor. Porque os sinto plenos de si.

Junto a mim, sempre, em partilha constante numa vida a par comigo.

Partiu há muitos anos daqui e está já noutro sitio, onde o sinto vivo e atento.
É com ele que divido a minha vida em todos os momentos.
Com ele que choro e rio. Que sofro e sou feliz.

Porque o conheci humano, sei que me reconhece na minha humanidade.
E que apesar de estar ausente, está presente.
Assim sou eu com ele. E assim contamos um com o outro.
Mesmo nos silêncios e nos interregnos quando, por largos tempos, não nos falamos.
Sabemos com certeza que nunca nos esqueceremos de nós.
Estaremos e seremos para sempre, um no outro.

Todos os tempos

Foi uma voz forte e rouca mas incisiva, que o fez estacar. Absorto nos seus pensamentos, estremeceu de sobressalto. Transportas contigo todos os tempos, dizia-lhe como se viesse de dentro de si. Não te escondas, nem procures para além de ti os tempos que julgas perdidos.
O susto correu-lhe o corpo, quase tirando o folego.

Afogado nas memórias do passado, há tempo demais, não permitia ao tempo presente uma existência plena. Sentia perder-se num tempo que o não levava a lado nenhum. Vagueava na vida pelo hábito instalado de que já não se dava conta.
Vivia, se vivia, agarrado a um tempo em que fora, recusando-se a ser e renunciando a um qualquer tempo que estivesse para vir.
E no entanto, dizia-lhe a voz que nascera de dentro, carregava em si todos esses tempos, sem se dar conta. Cada passo, paragem ou recuo o conduzia inevitávelmente a um tempo que iria acontecer.
Fizesse, ele, o que fizesse. Nunca o evitaria.
Sentiu de novo a voz, como que ao longe e arrastada. Deixava-lhe em eco as palavras, todos os tempos... Todos os tempos...

Apercebeu-se de repente, como num flash, da verdade daquelas palavras. Numa vida agarrada ao passado, vivia o presente a construir um futuro que o levava a um retorno ciclico.
Porque se demitira de viver e esquecera que a vida prosseguiria num continuum imparável. Independentemente de si.
E quando se olhasse ao espelho, veria o que a vida fizera de si, nas marcas reveladoras da carne.
Perguntar-se-ia o que fizera da vida. E saberia a resposta imediatamente.
O que escolhera fazer.
A cada momento em que abraçado aos tempos que foram, vivia nos que já eram.
E mesmo se morresse... (E como essa ideia se aninhava dentro de si... ) Mesmo que se fosse deste mundo...
O que fora permaneceria em quem ficava. E mesmo que não quisesse, perpetuar-se-ia nas memórias das coisas que deixara, no que fora. Mesmo ausente, geraria sentimentos, dor, saudade...
Pertenceria ao futuro, que não queria viver, duma forma que não podia ou poderia controlar. Da pior forma.

Sentiu pingos fortes na sua nuca. Separados mas fortes.
E cada vez mais e mais juntos. Arrepiou-se. Um arrepio que lhe correu o corpo como se tivesse sido atingido por um raio. Sacudiu os ombros de olhos fechados e quando os abriu, viu que chovia. Uma chuva que o acordava e trazia de volta. Cedeu á tentação de ficar ali, de se deixar estar.
Correu até um sitio abrigado. Parou debaixo dum toldo, sem cor, que abrigava uma montra. Ali uma frase chamou-lhe a atenção. Vá para fora cá dentro.
A chuva que o despertara também o percebia. E dava-lhe sinais que agora começava a saber ler.
Acabava de ter feito uma viagem assim. Dentro de si para fora. Unira-se agora ao seu percurso.
Não hesitou, entrou dentro da loja.
Pediu sugestões para outras viagens, no momento em que, dentro de si, começava a entender os caminhos que trilhava.
Queria partir á descoberta de quem era. Indo para fora, dentro de si.

With my heart


With my heart- Sophie Zelmani

Prendas... sorrisos d'alma

Porque anda triste, cada sorriso seu é uma dádiva.
Porque não sei o que lhe fazer ou dizer, quando ela toma a iniciativa, sinto-me aliviada.
Porque anda apática, se me tira da cama, salto e agarro-lhe a vontade.
E sabe-me bem.

Hoje deliciou-me, na surpresa que me preparou.
Não sabia quanto me dava já naquelas pequenas coisas a que me prendo.
Em cima da cama, dentro dum saco ás bolinhas, uma caneca com desenhos de criança.
Dentro da caneca um bilhete escrito pelas suas mãos em letra de mulher.
No fim a frase que vou guardar com orgulho."Com amor (aprendi contigo...)"

Abraçámo-nos e deixámos as lágrimas rolar em segredo.
Quando nos olhámos só havia o sorriso. De alegria.
Cumplicidade e amor muito sentido.

Elas

Quando puderes, desce. Espero-te no café em frente ao teu serviço. Preciso de falar contigo.

Olhou mais uma vez para a mensagem e apressou-se. Quanto mais depressa fosse, mais depressa tudo se passaria. Há muito tempo que adiava o encontro, a conversa, o que houvesse. E não o podia fazer eternamente. Iria agora, rapidinho.
Empilhou os papéis a um canto, deu uma vista pela secretária e saiu do gabinete que agora lhe pertencia. Ninguém o viu sair.
Chamou o elevador e já fora do edificio, dirigiu-se ao café.

Estremeceu quando a viu. Era como se visse a mãe dela. De tão igual! Estacou sem se dar conta e ficou preso no tempo em que os dois, jovens ainda, se amavam. Vagueou nas memórias.
Perguntou a si próprio, como tinha sido possível terem-se tornado tão estranhos e tão distantes.
Presos nas rotinas, seguras e tranquilas, onde tudo parecia acontecer normalmente.
Com as certezas já feitas.
Talvez fosse isso, lembra-se de pensar, a certeza das certezas... Nunca ter duvidado que um dia as coisas pudessem ter outros sentidos... Talvez!
Quando as conversas não se faziam por não se achar necessário. E os monólogos cresciam como ervas daninhas. A par com os silêncios duros e ásperos. Tão ásperos... Que só lhe apetecia fugir-lhes.
Quando os amigos, a profissão, as outras coisas a inventar, ocupavam os espaços vazios duma coisa que já não existia, porque não havia, dela, lembrança.
E as palavras ocas, a ausência dos gestos e dos afectos. Dos gritos e dos desencantos também.
Só o espaço físico e as malditas certezas.
E a mulher que "revia" e sentia agora ali, tinha-a perdido, como a uma estranha, num espaço qualquer da sua vida.
Nunca soubera quando e como.

Pai! Sentiu-lhe a voz e o toque. Regressou. Sim, estou aqui, de que me querias falar?
E fica a ouvi-la, voz ao longe, e a olhá-la e a querer guardá-la ali para sempre. E a pensar, porque quer muito, que não pode perder também esta mulher. Que tem de amar e cuidar. Todos os dias. Com tudo o que tem. E sabe que é pouco. Porque há muito a aprender.

A filha sabe-o distante. Conhece os lugares por onde ele anda. Gostava de lhe dar as mãos e fazer a caminhada com ele. E sente uma distância enorme a separá-los...

Contrabando

Transportas, num qualquer fundo falso dentro de ti, tudo o que sentes de mim, de ti ,da vida, de nós, como se fosse contrabando.
Mudo, quieto, não corra o risco de denunciar-se.
E moves-te por aí, carregando sorrisos que choras, disfarçados pelas gotas de água que te escorrem pela cara que enfrentas em dias de chuva.
Escondes-te usando as sombras de outros.
Contornando esquinas, colado e vincado, fazendo-te igual.
Nos gestos, nas formas, nas cores. Nas palavras e nos silêncios.
Como se fosses apenas mais um. E nunca só o que és. O que tens e sentes.
Porque não te podes denunciar,ainda. E no entanto, adivinho-te.

Faço de conta que nada sei. Por agora.
Um dia mostrar-te-ás. O que houver a declarar será declarado. Ficarás mais leve.
Continuarei aqui. Ou onde for melhor. Para ambos.
Por agora, a estrada que seguimos é a mesma. Mesmo sabendo que todos os rumos são possíveis. Livre de todos os pesos, saberás o melhor caminho a tomar.