O cavaleiro andante

Chegou qual cavaleiro andante, numa mota que para ela era gigante. Todos o seguiram com o olhar. Olhares que ele já sabia e saboreava.
Desceu da mota com elegância e olhou sobranceiramente quem o fitava de olhos e boca aberta. Gozou o momento.
Dulcilena fez de conta que não o vira. Continuou olhando o seu mar, deitando-lhe olhares pelo canto dos olhos castanhos.
Ele reparou nela de imediato. Metida num vestido preto de alças que se lhe colava ao corpo parecia pertencer ali desde todos os tempos. Como se não fosse de ninguém. Mas dali. Daquele tempo e espaço.
Á sua volta foram-se juntando pessoas que lhe admiravam a máquina. Respondia-lhes com sorrisos pois não lhes entendia as palavras. Adivinhava o que diziam pelas expressões. Mas já não lhe importavam.
Era Dulcilena que ele via.
Aproximou-se devagar e perguntou-lhe num português tímido, fala inglês?
Respondeu-lhe num inglês correcto que sim. E a conversa floresceu.
E continuou florindo pelos dias e noites que se seguiram pois ele não a abandonou mais. Adiou planos de viagem e prometeu voltar para ela um dia.

Largou a vida que tinha, os amores e desamores e voltou com a sua mota para os braços de Dulcilena que o esperou como lhe prometera.
Foi quando Dulcilena o começou a conhecer. E sofreu.
Não de amor. Porque não se deve sofrer quando se ama.
O amor deve fazer as coisas simples. Nunca complicadas. Deve trazer entendimento.
Alegria, não tristeza. Conforto e nunca desconforto.
Confiança, ternura e tanta coisa boa!
Não! O amor não é uma coisa má!
E foi o avesso do amor que Dulcilena descobriu. E tantas vezes o quis por do direito que se cansou.
E o seu cavaleiro… Partiu para outras cavalgadas. Porque ela assim quis.
E assim teve de ser

Começar de novo


Jane Monheit
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Ter me rebelado
Ter me debatido
Ter me machucado
Ter sobrevivido
Ter virado a mesa
Ter me conhecido
Ter-me socorrido

Começar de novo
E só contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Sem as tuas garras
Sempre tão seguras
Sem o teu fantasma
Sem tua moldura
Sem tuas escoras
Sem o teu domínio
Sem tuas esporas
Sem o teu fascínio

Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Já ter te esquecido.

Pairar

Que a faz pairar?
Que a faz ficar no entretanto do tempo?

Sabe as decisões a tomar e o caminho a seguir e deixa-se ficar ancorada á poeira dos dias passados. Como se pertencesse só lá. E fosse a névoa que se desprende do levantar das coisas que se deixam adormecer.
Paira. E não quer parar e ser outra coisa.
Deixa que algo se faça por si num lado de si que desconhece.
Porque nunca soube pairar. E desgasta-se. Em pó cinzento de nada.
Num buraco enorme a crescer sem rédeas num canto obscuro de si.

Um dia, um vento norte ou sul levantá-la -á para paragens distantes de que conhece o cheiro e o desejo.
Até lá pairará. Por não saber fazer mais nada.

Saudade

Evanescence-Missing

Já há muito que o não estreitava nos braços e não lhe sentia o cheiro.
A ausência tinha uma dor que lhe moía a cada instante crescendo no espaço que habitava a distância alongada entre os dois, tornando-se insustentável.
Essa dor ténue mas sempre presente, cravava-lhe a vivo na memória os tempos passados e as coisas vividas juntos, tinha agora a cor da saudade e era dela que vivia e na sua luz que se banhava projectando-se em sombra no dia a dia.
Não sabia quem era ele agora. Podia ser outras coisas que a memória não pudera construir porque se ficara no tempo em que só vivera as que possuía.
E era por esse tempo e por essa razão que o amara e continuava a amar.
Não podia adivinhar que agora era outro de que não tinha ideia ou lembrança.
A vida passara por ele nos espaços em que sozinho vivera outras vidas longe dela e se por vezes era ainda o homem que as memórias lhe traziam, por outras era um homem novo que desconhecia.
Não era já o homem que ainda espera e sempre amou.

As dores… As que sentira parecem-lhe agora inúteis.

Faz de conta...

Faz de conta que tem outros amores quando só o ama a ele;
Faz de conta que está bem sózinha quando só está bem na sua companhia;
Faz de conta que nunca se lembra dele, quando conta todos os minutos da sua ausência e todos lhe parecem séculos;
Faz de conta que lhe é indiferente e afinal tudo tem mais cor e vida a seu lado;
Faz de conta que é forte e esvai-se de tão fraca ser;
Em tudo faz de conta quando está com ele.

Quando ele se vai solta-se o dique que lhe prende o rio, feito caudal imenso, das lágrimas que lhe lavam os olhos, vindas não se sabe de onde, cheios de saudades e tristezas.

Porque ela não é o que faz de conta. Porque só é assim para que ele esteja bem e não tenha de fazer de conta, nunca.

As lágrimas que lhe bailam nos olhos não a deixam ver claro, toldam-lhe a vista e a razão.

Aranhando

Cola-se ás coisas por linhas finíssimas, invisíveis de tão transparentes e inodoras, como se de aranha se tratasse e uma teia criasse.
Num sítio qualquer e ao que encontra, seja o que for.
Lança só. Cola-se só. Para não se deixar cair.
Ainda não.

O rendilhado que tece não é perfeito, como ela não é também. Mas não desiste ainda.
Um dia de tão frágil tecer desistirá. Sabe-o desde sempre.
Antes ainda da rotura da teia desarmónica que cria.

Não quer ser abandonada. Prefere abandonar.
Prefere deixar que ser deixada. Doer-lhe-á menos. Sabe disso.
Esconde de quem lhe apara a teia, os medos, as sombras, os pesadelos que a atormentam, com máscaras que lhe enfeitam com sorrisos uma face que já desconhece há muito.
Nos espelhos que lhe enfeitam os espaços por onde se move só aproveita a luz e os reflexos que ama.
Não se confronta. Não se reflecte. Não se reconheceria.
E teria medo do que veria.
Mas estão lá. Sempre. Porque um dia o fará.
Para se despedir e saber de quem se despede e do quê.
Talvez então seja sugada a outra dimensão para lá do espelho, qual Alice do País das Maravilhas, e seja aquela que ninguém sonhou, neste mundo que nunca foi o seu.
Então não será mau desistir despedindo-se assim, quando tiver coragem!

Até lá, vê-la-ão tranquila, porque ela o sabe ser, qual aranha laboriosa embora imperfeita, tecendo sem parar.
A máscara?
Está sempre lá. Ninguém lha queira tirar. Já é parte dela.
Deixem-na sorrir, mesmo que chore por dentro.
Essa será a mistura perfeita para a cola na sua construção.