Os nós e os laços

Agora, entendi-te.

Foi preciso perder de vista, para sempre neste espaço, quem eu gostava de visitar, sorrateira, para te perceber.

Lembras-te de me pedir para voltar?
Mesmo que nada fizesse. Mesmo que só ficasse quieta no meu canto.
Só precisavas que me deixasse ser olhada, por ti, de vez em quando?

Porque ás vezes nem são precisas as palavras nem os gestos. Basta um olhar.
Saber que as pessoas de quem gostamos de alguma forma estão presentes.

No espaço branco duma página outrora com vida ficou gravado um nó duma tristeza que não sabia explicar.

Lembrei-me de ti. Talvez tenhas sentido o mesmo.
Porque apesar das distâncias e da frieza das teclas, dos ecrãs que colorimos com palavras, criamos laços. Somos elos de correntes mais fortes que algum dia imaginámos possível.

Quando puder, enquanto puder, vou estar aqui.
Não quero nós de tristeza!

Perder

Sim, ás vezes perdemos só para ganhar um espaço novo.

Ou nem perdemos sequer. Afinal o que julgávamos nosso, não o era.
Uma ilusão temporária, só.
Para vir, para ficar, está o que o tempo vai trazer no espaço do que se julga perdido.

Talvez por isso já não me doa tanto a ideia de perder, de deixar para trás e olhe mais tranquilamente em frente.
Talvez por isso não sonhe longe e depressa e me deixe repousar na calma do tempo.

Embora ás vezes perca, sei também que de vez em quando ganharei.

Há coisas assim

Há coisas assim. Imprevistas. Coisas que nascem do nada e são um mundo.
E vivem-se intensamente. Com sofreguidão.
Coisas onde a sintonia simplesmente acontece.
Onde tudo é fácil.


E no entanto perdem-se.
Devagar, em despedidas que não se pressentem.
Faz-se tudo igual como se nunca houvesse um fim.
Como se a história que tivesse acontecido fosse ainda longa e nada pudesse perturbá-la.

De forma imprevista. Do mundo fica nada.
Há coisas assim.

O abraço

Abraçou-lhe o corpo cansado.
Tomou-o num assalto de rendição feita. Era já seu antes de o ter.
Foi uma entrega anunciada.
Sentiu-a desfalecer pedaço a pedaço e afundar-se em cada canto de si.

Dormia agora. Ganhava forças.

Dizer adeus

Vão-se os dias, meses, anos. Corre o tempo sem pudor.
Vão-se os amigos, os amores, os amantes. Fica o espaço e o desconforto dos vazios com cheiros e restos de gente.
No ar as poeiras da memória teimam em pousar em olhos incautos que deixam escorrer lágrimas fortuitas. De conforto ou despedida.

Algumas vezes uma demência surda e cega invade os espaços que um dia foram a história duma vida que então se esvai... Em vez das saudades na caixinha das memórias há um acordar novo todos os dias para um mundo que não se conhece e não se entende.
Os rostos e os nomes não fazem sentido. Os lugares são lugares apenas.

E a dor, a saudade, fica nos que têm muitos dias, meses, anos ainda pela frente.
Saudade do abraço, do aconchego de quem lhes deu vida e amparo.
Dum olhar, dum sorriso, dum só vislumbre de lucidez, para ao menos dizer adeus.

Presa

 
Posted by Picasa


Um espaço branco dum opaco surdo como se dum muro se tratasse estende-se na frente dela.
De olhos fechados, tacteia-o com as mãos e depois esticando os braços aventura-se perdendo-se de vista.
Encosta-lhe a face, os ouvidos, pressente-lhe os sons.
Fica-se na música do devir que vem a sonhar e lhe emprenhava os sentidos.
Espera.
Nada acontece.
A semente que transporta dentro de si não dá sinal de vida. Árida seca, acanhada.
Escondida a um canto longe dos espasmos dalguma fecundação.
Como se não pudesse nunca mais criar e nada mais pudesse fazer por si só e só seu.
Presa num vazio que anseia por ser palavra e vida.

Para quando o alívio da libertação?
Voar de novo nas asas das palavras feitas verso, feitas cor, feitas magia…

Nas fendas abertas do seu deserto desenhar-se-ão as linhas da pauta onde a música que só ela conhece vai ser escrita. Dentro de si pulsará uma dança ritmada. Nessa altura tudo acontecerá