Elas

Quando puderes, desce. Espero-te no café em frente ao teu serviço. Preciso de falar contigo.

Olhou mais uma vez para a mensagem e apressou-se. Quanto mais depressa fosse, mais depressa tudo se passaria. Há muito tempo que adiava o encontro, a conversa, o que houvesse. E não o podia fazer eternamente. Iria agora, rapidinho.
Empilhou os papéis a um canto, deu uma vista pela secretária e saiu do gabinete que agora lhe pertencia. Ninguém o viu sair.
Chamou o elevador e já fora do edificio, dirigiu-se ao café.

Estremeceu quando a viu. Era como se visse a mãe dela. De tão igual! Estacou sem se dar conta e ficou preso no tempo em que os dois, jovens ainda, se amavam. Vagueou nas memórias.
Perguntou a si próprio, como tinha sido possível terem-se tornado tão estranhos e tão distantes.
Presos nas rotinas, seguras e tranquilas, onde tudo parecia acontecer normalmente.
Com as certezas já feitas.
Talvez fosse isso, lembra-se de pensar, a certeza das certezas... Nunca ter duvidado que um dia as coisas pudessem ter outros sentidos... Talvez!
Quando as conversas não se faziam por não se achar necessário. E os monólogos cresciam como ervas daninhas. A par com os silêncios duros e ásperos. Tão ásperos... Que só lhe apetecia fugir-lhes.
Quando os amigos, a profissão, as outras coisas a inventar, ocupavam os espaços vazios duma coisa que já não existia, porque não havia, dela, lembrança.
E as palavras ocas, a ausência dos gestos e dos afectos. Dos gritos e dos desencantos também.
Só o espaço físico e as malditas certezas.
E a mulher que "revia" e sentia agora ali, tinha-a perdido, como a uma estranha, num espaço qualquer da sua vida.
Nunca soubera quando e como.

Pai! Sentiu-lhe a voz e o toque. Regressou. Sim, estou aqui, de que me querias falar?
E fica a ouvi-la, voz ao longe, e a olhá-la e a querer guardá-la ali para sempre. E a pensar, porque quer muito, que não pode perder também esta mulher. Que tem de amar e cuidar. Todos os dias. Com tudo o que tem. E sabe que é pouco. Porque há muito a aprender.

A filha sabe-o distante. Conhece os lugares por onde ele anda. Gostava de lhe dar as mãos e fazer a caminhada com ele. E sente uma distância enorme a separá-los...

Sem comentários:

Enviar um comentário