Espanto

Há quanto tempo já não se viam! O tempo necessário para arrumar a desordem que se instalara nele quando ela partira.
E agora cruzava-se com ela. Na mesma fila de banco em que a tinha visto pela primeira vez. Numa outra cidade.
Reconheceu-lhe o jeito de se abandonar em espera. Cabeça levemente pendida, mãos nos bolsos em abandono e um pé levemente inclinado apoiado só no salto do sapato. Desenhava no ar figuras imaginárias com a biqueira. Talvez fizesse contas á vida. Talvez antecipasse assim o passo a seguir e a direcção a dar. Sempre o fizera com a mesma agilidade com que fazia dançar o pé.
Lembrou-se da forma como ela aceitava as coisas sem muitas perguntas. Como se soubesse já todas as respostas. Alinhava-se naturalmente no futuro que o presente trazia pela mão.
Não lhe conhecera nunca o espanto. Como se soubesse sempre em primeira-mão como tudo acontecia. Em todas as coisas encontrava explicação. Compreendia e via para além do explicável. Aceitava a vida sem medos.
Sempre o assustara a clarividência que lhe sentia. Parecia-lhe sempre que ela sabia mais além. Duma forma que nunca conhecera em ninguém.
Mesmo quando tudo parecia correr mal, ela sorria e tranquilizava-o. Dizia-lhe que era preciso aceitar o fim das coisas para dar lugar ás novas. Que viriam a seu tempo. Tudo ocuparia o lugar certo…

Não sabia agora qual era o seu lugar ou o que o esperava. Não percebeu nunca porque tiveram de se afastar nem como tal aconteceu. Aprendera com ela que quando um se ausenta ou parte de vez dá lugar a outro. Até um dia se encontrar a metade que faz sentido. E no entanto sentira nela a sua metade. E tudo fizera sentido enquanto andaram na vida um do outro…

Cruzava-se de novo com ela. Perguntou-se se também isto era um sinal que não devia ignorar. Se afinal afastando-se se teriam aproximado. Se faltando um ao outro teriam dado conta de quanto eram felizes quando estavam juntos.

Preparou-se para lhe dizer olá ocasionalmente como se também a ele já nada o espantasse. Esperou que ela se virasse sem desviar o olhar.

Viu-a rodar e virar na sua direcção. E o sorriso que lhe tinha preparado desapareceu. Não era ela.

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