A nódoa

Caiu-lhe pesada numa forma irregular.
De tão forte, estragava o feitio que se perdia na prega agora torcida. A flor no jardim que lhe bordava a saia perdia o brilho e as pétalas sufocavam escondidas num remendo sem cor ali plantado abruptamente.

Virou-se rapidamente, tentou esconder o rubor que lhe subiu á cara e a vergonha que se plantara na saia.

Um olhar, fora só isso. Conhecia-o de algum lado.

Às vezes eram os gestos que lhe chamavam a atenção. Outras a voz.
Podia ser uma palavra, numa frase qualquer. Ou um cheiro. Sim, uma nesga de aroma numa memória olfactiva a espreguiçar-se.
Qualquer uma dessas coisas a podia despertar dos passados.

Mas fora o olhar. De espanto.
Não contava com ela ali. Por isso se embrulhou e tropeçou nos gestos. Por isso lhe dançou o copo de forma abrupta lançando-se em queda, amparada só pela saia rodada que ela trazia.

Procurou uma casa de banho, um sítio onde pudesse apagar a mancha e dar vida á flor que murchava escondida. Atrás dela, um braço estendido pedia-lhe que parasse e em surdina dizia, desculpa.

Da saboneteira tirou um resto que ainda havia, misturou-o com alguma água, levantou a saia, deixando as pernas desnudadas e tentou, esfregando com alguma suavidade retirar aquela coisa incómoda. Tentou uma, duas, três vezes. Sem sucesso.
Permanecia intacta como se não quisesse deixar de ser vista nunca mais.
Secou a saia no secador de mãos. Ajeitou as pregas.
No jardim, havia agora uma flor com memória. De cor diferente.

Do lado de fora, ele esperava-a com outra flor retirada á pressa dum arranjo de mesa, uma rosa vermelha e um sorriso envergonhado.

Aceitou-lhe as desculpas. Colheram memórias juntos.

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