Dulcilena

“Dulcilena nasceu num dia de chuva e trovoada. Era um tempo zangado que fazia gemer as portas que a recebia. Lá fora não se ouviam os gritos que a mãe tentava abafar. Fazia-o o tempo por ela.
Nem parecia que na véspera estivera um dia lindo de sol, se bem que abafado...
A mãe beijara o Senhor carregando-a na barriga.
Beijara-O com os mesmos lábios que o pai rebentara com uma palmada que lhe dera no dia em que Dulcilena fora concebida.
Chegara a casa embriagado como sempre. Com sede de mulher. Atirou-se ao corpo estendido e cansado já adormecido na cama que ás vezes partilhava com a mãe de Dulcilena.
Ela gemeu, sacudiu-o com o corpo, com as poucas forças que tinha, até se deixar vencer. Deixou que ele a penetrasse para não ter de lhe suportar o cheiro nauseabundo de muitas bebedeiras por curar.
Depois de freneticamente se saciar, atira-se para o lado e adormece ao som do próprio ronco.
A mãe levantou-se devagar, lavou-se e aninhou-se junto dum dos seus filhos, fruto doutras relações.
Ele deu por falta dela a meio da noite. Chamou-a aos berros. Nunca pelo nome. Por outros nomes. Da rua. Dos que ninguém gosta de ouvir.
Para que não acorde as crianças a mãe de Dulcilena levanta-se apressada tropeçando em quase tudo. Pára na mão aberta que lhe é lançada em fúria pelo companheiro. O lábio abre e o sangue corre.
Nesse mês o sangue da vida não escorrerá. Ficará dentro de si.
Dulcilena chorou o mínimo necessário. Comprovou-se o seu bem-estar e viu-se que era um bebé calmo. Mamou só de manhã cedo aos primeiros raios de sol.
Deu tempo á mãe para descansar e ao pai para dormir e curar a bebedeira sem que incomodasse ninguém.
Foi registada um mês mais tarde e nunca soube a data correcta do seu nascimento. A mãe dizia uma, o registo outra. Celebrava a do registo.
O nome? Era antigo. Não se conhecia igual. Dulce de doce, porque o era. Helena porque a mãe lhe sonhava força e inteligência, a via lutadora. Uma Helena de Tróia. Como ela lembrava dos livros que lia. Via-a doce e forte. Como o é o amor e a vida.”

1 comentário:

  1. Ola , andava por aqui a passear como alguem que tem pouco para fazer ( de mini ferias e em casa )e parei na tua Dulce ( Doce ) , de escrever nada sei e muito menos de analisar ou comentar tecnicamente ... apenas posso dizr que adorei , muito rica na descriçao de pormenores e no turbilhao de sentimentos , que me abala sempre perceber que outros seres sao brutalmente maltratados...parabens

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