Arrumações

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Chegaram finalmente os caixotes que faltavam. As prateleiras que comprara numa loja de móveis em segunda mão estavam já instaladas numa das paredes do quarto que começava a ser prolongamento de si. Aqui e ali um ou outro objecto faziam-na sentir aconchegada. Bases de copos que começara a juntar, algumas garrafas de bebidas que experimentava com flores secas serviam-lhe de adornos. As datas e pequenas notas ficavam escritas nos pedaços vazios das etiquetas. Nascia um museu de memórias num território em que tudo era trazido á vida.
Começou a arrumar tudo com método. Deixava de propósito alguns espaços vazios. Contava enchê-los com o tempo, a seu tempo.
Olhou com enlevo a sua vida. Estava toda ali. Desempacotada e exposta, pronta a ser revivida. Passada ao papel. Porque agora queria entendê-la. Perceber porque tudo tinha acontecido. Como tudo tinha sido possível. Queria dentro de si encontrar o princípio e o fim. Perceber o meio. Assumir-se sem culpas e sem juízos. Ser inteira, porque precisava de o ser. E sobretudo entender o significado da sua vida. Até ali!
Inspirou profundamente de olhos fechados, abriu-os e com eles os braços. Dirigiu-se á janela que dava para a rua e deixou-se ficar a absorver a energia do sol. Ficou aí por algum tempo.
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