O café

Desceu á rua na ânsia dum café quente. Hábito velho que ainda não pretendia perder.
Por aqui ainda não se entendia. Não conhecia as ruas nem os lugares.
Sentou-se no primeiro sítio que lhe cheirou a café. Fez bem. Sentiu-o.
Estava habituada a obedecer a impulsos.
Era pequeno. Três ou quatro pessoas estavam espalhadas pelas mesas. Umas liam, outras olhavam pelas vidraças o movimento na rua apertada. Uma música morna enchia o espaço.
Pediu o café e pegou numa revista que encontrou em cima duma mesa. Desfolhou-a sem a ver. Saboreou o momento.
O café com o sabor desigual acordou-a. Precisou do caderninho que trazia sempre consigo. Procurou-o no saco enorme que a acompanhava sempre. Era o seu “armazém”, como gostava de lhe chamar. Apetecia-lhe deitar coisas ao papel.
Afinal o tempo era de arrumações. E o papel era o suporte mágico

Porque aos sonhos e ás palavras que lhes dão forma não lhes basta a voz ou os gestos que as adornam. Precisa de lhes apalpar as formas quando as deita no papel. Sabe-as distintas e delatoras de estados de espírito que ás vezes é mascarado pelo hábil controlo vocal e gestual.
Na ponta dos dedos sai-lhe a verdade das coisas sem fronteiras ou censuras. Um tremor, um recuo, uma letra mais ampla ou mais miúda. Tudo repleto dum significado que se perde se não se mostra.
Ela estende-se aí. É inteira quando aí se acomoda. Nesse espaço não há lugar para esconderijos ou subterfúgios. Vê-se e revê-se. E nunca se perde porque pode sempre encontrar-se na palavra que fica presa ao papel que a contem e abraça.
Por isso só depois passa ao portátil as palavras feitas historias, agora amansadas pela tinta e pela rugosidade das folhas…

Viaja até ao princípio dos princípios.

Sem comentários:

Enviar um comentário