Dói-me

Caminha já sem a noção das coisas, se ainda hoje as teve.
Deambula num desequilíbrio evidente entre o muro – na valeta mais ou menos profunda que agora corre seca – e a estrada que se aperta no passar dos carros.

Há muito que afoga a vida nos copos que esvazia de seguida enquanto debita monólogos que já ninguém procura entender.
Acaba quando o dinheiro acaba. Depois vai para casa ou para outro destino qualquer.
Ás vezes perde o rumo e percorre distâncias quase impossíveis para tal condição. É o balanço do corpo que determina o destino.

A cabeça viajou para outros mundos. Onde não dá conta de si.
Amanhã não se lembrará de nada. E todos os dias são dias de amnésia.
As memórias são voláteis como o álcool que as consome.
Também por dentro as entranhas se desfazem e despedem da vida que um dia viveu.

Vi-o ainda agora. Tinha-o deixado há horas num outro ponto distante. Julgava-o em casa.
Na verdade deixara de pensar nele.
Estava á beira da estrada de calças abertas, talvez acabado de urinar, virado para a estrada, balançando-se, pegando no pénis desnudado á vista de quem passava.
Indiferente.

Eu que ainda tenho memória, não vou esquecer por muito tempo.
Não o que ele fez. Mas o que o fez chegar aí.

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