Desacerto

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Düa cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Camões

Sempre invejei quem de mim soubesse melhor que eu. Quem dissesse de mim melhor do que eu poderia alguma vez fazer.
Não inveja de querer mal, mas inveja para querer ser assim também.
Da mesma grandeza sendo tão simples assim. Sinto-me criança em ânsia de crescer no colo de quem me embala falando-me assim.
Percebo-me melhor porque me sei nos outros. E sei que sendo estranha também sou igual.
Quando encontrei este poema por aí, na mesma altura em que me sentia assim, serenei.
Foi o eco das coisas que perdia num vazio que teimava em crescer cheio de desacertos que me devolveu a paz. Sentir-me igual, humana ainda, foi a resposta a que nenhuma pergunta fiz e que se enrolava no ar, enrolando-me também. Em rodopio. Pondo-me tonta e sem rumo.

Que bem que os poetas nos falam! Que bem legendam os sentires que nos habitam em transgressão. Porque se estranham de tanto sentir á toa. Sem rumo.

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