O ódio necessário

O livro estava na prateleira mesmo ao nível da vista.
O título levava-me á viagem que nunca soube fazer. Agarrei nele, comprei-o e devorei-o.
Não pela sede do ódio que não conhecia, mas pela vontade de perceber porquê.
Porque teremos de odiar para avançar e não somente perdoar?
A pouco e pouco percebi que o ódio de que se falava era a ponte para o distanciamento e a salvaguarda do amor-próprio.
Não era o ódio de morte de que ouvia falar mas aquela pequena dose que tira de cima de nós todas as culpas. A assumpção de todos os erros e falhas.

Sabia que me afastava verdadeiramente das pessoas quando deixava de lhes suportar o cheiro e a náusea se entranhava em mim. Quando toda a graça deixava de ter piada e a presença me angustiava. E era tudo quanto sentia.

Nunca soube ir para além e afastava-me silenciosamente sem lhes desejar mal algum. Sabia que se estivessem bem eu também estaria.
Era assim que pensava e isso bastava-me.
Até um dia isso deixar de ser suficiente e precisar de algo mais para me afastar verdadeiramente de quem me fazia mal.
Mas nunca o ódio. Nunca o aprendera. Não sabia viver com ele. Nem mesmo o que era. Achava sempre que odiar era matar alguém cá dentro e sentir a culpa desse crime. Que trazia dores maiores e não atenuava em nada as que tinha até então.
E deixava-me encher de culpas de sentimentos de frustração e de coisas mal cumpridas. Do sentimento de falhar sempre. Por minha causa. Porque deixava que os outros me fizessem sentir assim. Anulava-me e perdia-me de mim.

Naquele dia, ao ver o livro, ocorreu-me que precisava de odiar. De sentir mais por mim, de cuidar de mim. E o ódio traria a resposta.
O ódio necessário. Não mais que isso.
Para enfim cumprir o luto.

O ódio necessário, Jeammet, Nicole, Colecção Margens, Editorial Estampa.

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