As pedras do meu ribeiro

Saltava de pedra em pedra e mirava-me nas tuas águas, ribeirinho. Espiavas-me os risos e as brincadeiras atrevidas. Ouvias-me as gargalhadas e sabias-me escondida enquanto me chamavam. Já tinha os pés molhados, as meias manchadas. Esperava-me a voz zangada de minha mãe que agora não vejo. É outra que agora está lá. Conhece-la?
Lembro-me de a adivinhar em tempos sombrios lá em casa.
O pai andava triste, a mãe também. Há muito tempo que não cantarolavam juntos. Que não se sentavam na soleira da porta ao entardecer, a sonhar, enquanto brincava. Fingiam, sentados á mesa enquanto comiam, que eram felizes.
E eu, procurava-lhes o sorriso. Corria dum para o outro procurando razões para os encontrar. Pulava para o colo do pai e abraçava-o. E conspirava com a mãe para o trazer de volta.
Via-os distantes e não sabia que fazer.
Um dia senti o pai a sorrir. E a cantar. E a ouvir música de novo. Comigo.
Percebi depois que também com ela.
Estás a vê-la? Não. Não a conheces. Também não a conheço. Não sei se gosto dela. Nem se vou gostar alguma vez.
Aquela cumplicidade que tive, há muito tempo, com meu pai, já não a tenho. Perdi-a não sei quando nem como. Queria muito ganhá-la de novo. Quero-lhe tanto!
Sei que ele nunca deixou de me amar. Tenho a certeza. Nunca deixei de ser a sua menina. Agora mulher. Que se orgulha de mim. E me quer bem.
A mim, também já não conheces? Talvez. Perdi a inocência. A esperança. Um dia, quem sabe, recuperarei. E voltarei a ser a mesma menina ao colo de meu pai.

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