Prisioneiro duma janela

A principio abre a janela a medo. Mas com a vontade de descobrir, o que está do lado de lá, bem acesa. O que ouve dizer deixou um rastilho que já não se apaga.
Não sabe ainda quem espreita, nem quem lhe bate á porta ou assoma á janela.
São conversas sem graça e sem sentido que lhe preenchem os tempos vagos na azáfama do dia -a-dia.
Conversas que a pouco e pouco tomam volume e conteúdo.

Num mundo em que todos podem ser o que quiserem ou apenas o que são.

Acostuma-se rápidamente ás investidas e brincadeiras que começam a fazer-lhe bem.
Agora também tem histórias para contar dos habitantes de janelas que acenam á sua.
Troca-as, conta-as, exibe-as. Todas trazem novidades e todas lhe afagam o ego adormecido nestas coisas dos afectos.

Já não sabia a cor dum elogio. O sabor dum piropo. O aroma dum carinho.

Perdera-os num tempo em que outros valores lhes foram tomando lugar.
Acomodou-os no velho sofá da sala onde adormece a ver televisão enquanto a mulher cuida das ultimas lidas da casa.
Ali estava tudo já arrumado e definido. Neste quadro em tons pastel, empoeirado, de que quase não se dá fé, arrumou-se uma vida sem brilho nem lustro.

Procura agora na janelinha mágica que se abre para outros mundos que não o seu, as cores fortes que deixou esbater e não sabe poder restaurar.

Aproxima-se cada vez mais de quem está do lado de lá. Com a mesma velocidade com que se afasta de quem tem ao seu lado.

Em casa onde havia silêncio, reacendem-se os diálogos. Mas em confronto.
Porque se ausenta mais. Na fugida para os espaços que lhe permitem abrir janelas.
Pelas desculpas esfarradas que inventa, quando atende o telefone, para ouvir quem lá conheceu.
Porque nos seus olhos desfilam imagens de gente que ninguém mais conhece. E há sonhos plantados, á espera do cuidado diário, no peitoril doutras janelas
Porque da descoberta já partiu á conquista. Já foi conquistado.
Sente-se um homem novo. Renascido e diferente.

Criou asas. E gira tonto á volta duma luz pela qual se deixa encadear.

Não percebeu ainda que está prisioneiro da janela que abre todos os dias ansiosamente.
Que nunca vai ficar satisfeito. Que vai querer sempre mais e mais.
Porque haverá sempre janelas a abrir-se. E ele não terá coragem para as deixar fechadas.
A curiosidade fá-lo-á espreitar. E a vontade de ter sempre mais e diferente.
Porque há muitos mundos para explorar através e além da sua janela.
E nunca mais quererá voltar, pousar.

Um dia se não tiver cuidado, cairá zonzo de tanto voo e de asa chamuscada.
Oxalá uma brisa o leve ao parapeito dalguma janela encostada...

(Quem sabe aquela de onde não deveria ter espreitado!)


2 comentários:

  1. Como gostei, não tenho palavras que bem o descrevam. Talvez só tu saibas como esta janela me é familiar! Deseja-me então um doce voo, que bem preciso!
    Um beijinho
    Adorei
    Ana

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  2. gosto da abordagem à solidão real para a ilusão da companhia virtual.

    interessante, o joão está na esplanada que frequento depois de a figueira ficar mais silenciosa: o onda do mar, do machado

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