Inventores de histórias

Lembro-me da estranheza de não viver da mesma forma com as mesmas pessoas, como toda a gente.
De inventar razões e criar histórias que fossem o suporte dum viver assim.
Todas as crianças com quem me cruzava, tinham um pai e uma mãe. Eu tinha uma tia e um tio.
Todas choravam e riam ao colo duma mãe. Eu fazia-o ao colo duma criada.
E muitas vezes até um dia ele se cansar e ausentar ao colo de meu tio.
Mas soube-o, apesar de tudo presente.
Todas as crianças faziam férias de vez em quando em casa dum parente qualquer.
Eu fazia em casa duma mãe que descobria a par de 3 irmãs que disfrutava a correr. Porque afinal tinha mãe e irmãs. Também tinha pai. Mal o via. Sabia de mais 2 irmãos que não conhecia.

Ah a minha mãe e as minhas irmãs! Eram o meu Natal em qualquer altura do ano.
Lembro-me de chorar ao chegar. De alegria.
De chorar ao partir. De tristeza.
E aqueles tempos ali, de descoberta e partilha. De risos e gargalhadas. De pão repartido. De cama dividida e velas consumidas até á exaustão. As bonecas feitas com papoilas. As casas na eira. As corridas aos ninhos. As incursões ao sótão e as leituras da bd dos irmãos que eu não conhecia.
E a mãe que eu não tinha. Ali a falar connosco. Do que queriamos saber. Do que era preciso saber para crescer. E as conversas imparáveis porque tudo tinha de ser dito num tempo que tinha um prazo sempre curto. Cada vez mais curto.
Porque tinha de voltar ao meu destino. Como dizia minha mãe, a um destino melhor.
E voltava. Sem mãe.

Ainda hoje mal a conheço. Penso que mal conheci e mal amei afinal. Não o soube fazer.
Não o sei fazer. E queria tanto saber como é!
Nas histórias que inventava para apaziguar a dor as coisas tomavam sentido. Agora que cresci, sei que não há invenção que lho dê.

Aprendi uma coisa só. A amar ferozmente os meus filhos.
Não os prendo. Mas não abdico deles.
Não os quero inventores de histórias.

1 comentário:

  1. bom... confirma-se o meu diagnóstico sabendo agora algumas das causas para tanta força e entrega. .. que não se reflete apenas nos filhos... acabamos todos nós, os que te "rodeamos", por usufruirmos dessa aura que de ti emana.... beijos

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