Até o silêncio acordar


Chegava-lhe ao nariz um cheiro nauseabundo. Não sabia de onde vinha nem o que era. Tornava-se insuportável. Nem o aconchego dos lençóis e o calor que o corpo já tinha a distanciava da náusea que crescia dentro dela.
Fechava os olhos com força e tentava chamar o sono para se afastar daquele lugar.

A pouco e pouco eles chegavam e aninhavam-se no volume do seu corpo. Eram viscosos e alguns estavam já em putrefacção. Talvez fosse daí que o cheiro viesse. Alguns abriam a boca com os dentes fininhos e afilados e aproximavam-se da sua cara.
Nada fazia para os afastar.
Sabia que vinham de dentro da sua cabeça dalgum lugar onde se criam os medos. E sabia o que fazer. Ficava-lhes indiferente. Acabariam por se cansar e desapareceriam.

Como quando era pequenina e os medos se escondiam em lugares insuspeitos que a principio controlava minuciosamente. Escudava-se debaixo da roupa que a cobria na cama e enovelava-se. Apercebeu-se a pouco e pouco que nada acontecia.
Fingia que não os sentia. Enfrentava-os munido duma força desconhecida. Ignorava-os.
Como agora.

Restava-lhe esperar pela hora do silêncio acordar e os ruídos habituais do elevador que trazia quem tardava e levava quem amanhecia. O carro do lixo, o trânsito a fazer-se grande e a luz que ofusca todos os medos.

Então dormirá.

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