A casa


A casa com que ela sonhava não tinha portas, janelas nem mesmo paredes.
E foi assim que a construiu. Num sitio de sol, árvores e rios a correr.
Em cima dos quatro pilares ficou um telhado de vidro para espreitar as estrelas e o céu quando dormia.
Com o tempo houve quem se juntasse a ela. Gente que com ela falava das coisas simples.
Gente que ia e vinha quando tinha de o fazer. No meio de todos e á vista de quem passava, espalhavam-se os risos e os afectos. Vivia-se a calma e a raiva dos dias. Apagavam-se as lágrimas no calor dos sorrisos.
De voo em voo ficavam as marcas e as histórias que sobreviviam a quem dali saísse. Para voltar quando quisesse.
Foram muitos os passantes. Muitos os que ficaram. E muitos os que de longe viam e cobiçavam.
E nunca ficaram a saber. Porque achavam que já sabiam tudo. Comentavam entre si o que pensavam. De quando em vez albergavam-se debaixo daquele tecto. Estranhos a tudo, habituados ás casas escuras onde viviam, espalhavam as dúvidas dum viver assim.
Em pouco tempo havia quem atirasse pedras que feriram quem por lá andava.
Foi quando ela ergueu paredes. E mesmo assim, deixou aberturas para a vida entrar.
Todos podiam lá ir e de lá sair. Mas desconhecendo o que encontrariam alguns passariam ao lado. Poucos se atreveriam a passar a barreira que ela erguera.
Quem quisesse julgar, que o fizesse. Do lado de fora das entradas que ainda deixara.
Entradas que um dia fechou com portas. Não podia deixar passar a tristeza, a mágoa, a afronta e toda a dor que vinha também.
Deixou o sonho que tivera, para se proteger. E proteger os que reunira junto de si.
Na sua casa outrora escancarada, abria-se agora, só para o mundo daqueles que a pouco e pouco conquistaram um espaço que lhes dava sem reservas. Fechava-o para quem não podia entender.
E mesmo assim via o mundo e prolongava-se para além dele, nunca o deixaria de fazer. Porque as portas desvendavam segredos a quem os soubesse entender e continuariam a abrir-se ao som das melodias que dentro de si bailavam.
E a dança da vida, e com quem ela dançava em liberdade, nunca a deixaria morrer dentro de si.

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