Encostada

A porta estivera sempre encostada.

Pretendeu durante muito tempo que atrás dela e para sempre ficaria tudo o que não pudera concretizar. Fizera-se força e dissera para si que tudo acabara atrás da porta que deixara de propósito assim.
Virara-lhe as costas e avançara. Pensava que era capaz. que era assim que teria de ser.
De quando em vez sentia-lhe as correntes que traziam o desconforto das coisas que tinha deixado sem viver.
Era quando se recolhia no arrepio que lhe corria o corpo apalpando-lhe o vazio que ela teimava em desprezar.
Plantava-lhe sonhos fugazes. Como se pudesse fazer de conta de que nada aí tinha tido lugar.
Como se nada ainda aí existisse.
E uma porta encostada num lado qualquer da vida deixasse de ser o que era.
Como quando era criança e fechava os olhos. E desaparecia.

Neste terreno sem pousio nem descanso nada teria vida. Nunca.
Tudo teria de tomar o seu lugar. Percebê-lo. E o que tivera inicio teria de ser finalizado.
Num lugar com o seu nome e feitio. No seu lugar.

Era já tarde, a tarde dum dia cheio das coisas surpreendentes que os dias trazem, quando a porta se escancarou.
O espanto foi a primeira coisa que se lembra de ter. Não da porta se ter aberto.
Mas de ser ele a abri-la. Como se nunca tivesse estado atrás dela. Ou ausente.
Olhou-a com olhos de ainda há pouco e recomeçou a conversa na virgula que tinha ficado pendurada.

As promessas de amor eram as mesmas. A paixão continuava acesa.
Olhou-o incrédula. Estremeceu. Surpreendeu-se por continuar de pé porque as forças lhe fugiram sem destino. Foi quando do coração cresceram braços, aqueles que a razão não conhece, e sem mais nada decidiu dar rega á sementeira.
Durante aquele tempo todo só aquele sonho tinha criado raiz e alastrado nela.

Pensou, apesar de tudo, por quanto tempo estaria a porta aberta. Quando a voltaria a encostar ou se finalmente a fecharia.

Sem comentários:

Enviar um comentário