Dimensões paralelas

Telefonou-lhe. Ela atendeu. Reconheceu-lhe a voz, porque o número tinha-o apagado há muito da sua lista.
Convidou-a para jantar. Aceitas?
Ela não hesitou. Que sim, porque não? De alguma forma sentia curiosidade em saber coisas dele. Tinha já feito parte da vida dela. Por algum tempo. De forma intensa. Algumas vezes sofrida.
E depois, seria um reencontro de amigos. Como ele, afinal, lhe pedira quando acabaram tudo. Um reencontro tardio, cheio de ausências propositadas. Mas necessárias.
Não houve tempo para grandes antecipações. Continuava da mesma forma. Em cima da hora, avançava. Nunca dava tempo. Como se as coisas obedecessem a impulsos e só depois acalmassem. Reconheceu-o aí. De novo.
Deu-lhe um toque. Ela desceu. Foram ao mesmo restaurante de sempre. No caminho uma conversa parda de quem não sabe o que dizer.
Só no restaurante, frente a frente, com o mesmo empregado que tantas vezes os serviu, a conversa começou envergonhada a crescer. O mesmo sorriso e as mesmas perguntas sem intenção de resposta. Fê-las todas com o mesmo ar de sempre. Como quem a tinha visto na véspera e não ao tempo que era real.
Para ele, o tempo tivera sempre outra dimensão. Estranho, pensou ela, como ainda hoje lhe vejo as mesmas coisas. Como o sinto tão igual.
Conversaram pairando sobre cada um. Avaliavam-se mútuamente. Procuravam-se. Reconheciam-se. A conversa ficava sózinha enquanto eles se olhavam, observando cada gesto, cada olhar, á procura de coisas novas. Era tudo como dantes.
Saíram á procura de ar fresco e de um sítio calmo para acabar a noite. Um barzinho.
Aí veio a surpresa. Porque não voltamos a estar juntos? Foi tudo tão bom!
Ela calou-se. De espanto. Voltou-lhe á ideia o pensamento de que ele vivia noutra dimensão. E acreditou nisso. Teve a certeza.
Antes que ela respondesse levantou-se do lugar, levantou-a, agarrou-a pela cintura e apertou-lhe os lábios contra os seus, numa tentativa forçada de beijo.
Subiu-lhe um grito que reteve. Afirmou-se a certeza.
Ele percebeu-o.
Porquê? Interrogou-a de seguida.

Ainda hoje ela se questiona como podem duas pessoas, viverem as mesmas coisas e sentirem coisas tão diferentes.
De duas vidas iguais haver memórias tão díspares?
Como num se desgasta o que noutro sempre cresce!
Como vivem duas pessoas juntas, em linhas paralelas, sem nunca se cruzarem?
Não lho pergunta a ele, sabe que não terá resposta. As longas conversas que tiveram nunca passaram de monólogos centrados em umbigos demasiado importantes para daí se deslocarem.

Leva-a a casa. Pergunta-lhe ainda. Subo?

Sem comentários:

Enviar um comentário