Num dia que está para vir

Há muito que não se sentia vivo.
Que não percebia para onde tinham ido as coisas que um dia lhe puseram sorrisos nos lábios.
Deixara de se encantar. De querer aproveitar cada segundo para o partilhar com ela.
Tudo lhe parecia sempre igual. Como se fosse um disco num gira-discos estragado.
Em repetição contínua. E com um ruído de fundo irritante.
Não sabia do desejo. Nem lhe sentia a falta.
Adormecido nos copos bebidos entre conversas sem rumo.
Nos tempos em que fugia das rotinas apagadas e sensaboronas daquela vida que nunca pensara.
Acomodou-se, instalou-se sem dar conta a assistir a uma vida que lhe passava ao lado.
E se desgastava a par com ele.
Perdeu as memórias dos toques dos cheiros, sabores e das cumplicidades. Num sitio qualquer.
Vagueou numa vida em que se cumpria atempadamente o que devia cumprir-se.
E só. Nada mais. Porque do mais que havia se tinha perdido o rasto.
Numa curva qualquer da vida.
Viajavam juntos mas cada vez mais distantes. E deixavam-se estar.
Como se tivesse de ser assim. Como se não houvesse outras formas de estar.
E o destino fosse esse. Mais nenhum.
Até um dia. Um dia, ser dia de acordar.
E esbracejar. E perceber que há vida fora da vida que vivia.
E um grito forte a abrir pulmões ecoar. E um coração a abrir em flor. Vermelho intenso.
E andar para lá do horizonte com tudo para descobrir.
Num dia que está para vir!

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