Frágil

Durante muito tempo não tivera nada. Mas sentira que tivera tudo a que tinha direito. A nada. Era o que sempre tivera afinal. E chegava-lhe. A sua forma natural de estar e ser era assim. Despojada e sózinha. Apartada de tudo e de todos. Visitava as pessoas e as coisas de forma fortuita sem incomodar. Pelo tempo necessário, indispensável. Afastava-se logo.

De repente, tinha tudo e demais. Assoberbada, queria e temia. Porque descobria que lhe sabia bem. Mas vinha-lhe ligeiro o medo de perder. E todos os sentimentos que vêm quando se tem quem e o quê amar. E não gostava deles, de os sentir. Eram-lhe estranhos e faziam-lhe mal. Incomodavam-na. Adoeciam-na. Queria amar e ser amada. Só.
Sem os outros atavios que sempre adornam os amores. A saudade, a ansiedade, o ciúme, a dúvida, a angústia...
Queria amar sem mais nada.
E não era capaz. Não sabia.

Vivera como num barco em mares de marés calmas, onde os sentires deslizavam ao sabor dos ventos que nunca lhe enfunavam as velas em demasia.
Agora a tempestade formava-se. As ondas eram altas de mais. Não se lembrava já de navegar assim. Perdera-lhe já o feitio. Sentia-se agora frágil.
De muitos naufrágios, já. De muitas vezes ter já visto o fundo do mar. E ás vezes ter querido lá ficar. No escurinho. Muito quieta. Enroladinha.

Voltar.
A contar as suas histórias a outros navegantes e partir.
A partilhar e avançar.
A aceitar naturalmente e a dar sem pensar no que fazia, porque era assim que deveria ser.
Como quem abre os olhos com a luz da manhã e os fecha ao anoitecer com o cansaço.

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