Sei como é!

Sei como é. Já lá morei. Nesse tempo. No tempo de todas as tristezas. Em que as noites não têm estrelas e os sonhos não as habitam porque os olhos não reconhecem a fadiga.
São as sombras que as povoam. Tudo é escuridão e dor. Os gestos fazem-se no esforço da sobrevivência. A lonjura é aconchego. O toque doi, o abraço arrepia e incomoda. o sorriso estranha-se e é esgar. A lágrima usa-se até secar. E fica o nó. E um deserto árido no peito a queimar.
Não há caminhos para lá entrar. Não há caminhos para de lá sair.
E vai-se cada vez mais fundo e mais escuro. Com mais dor e menos limite. Os olhos baixam-se, o corpo curva-se. O cansaço apossa-se dos restos que ficam em pedaços.
Não se conhece o fim, não se percebe o princípio. As palavras não servem de roteiro. Os sentimentos atropelam-se em velocidades desconhecidas. E no peito, onde repousa a memória dos afectos, travam-se batalhas em descompasso.
Ninguém entende a imensidão deste tempo. E a devastação que deixa. Ninguém lhe dá espaço ou sentido. Ninguém adivinha um tempo assim!
Só quem lá viveu. Ou quem por lá ficou.
Preso na ilha que fez de si, sem pontes, sem barcas. Porque não as há!

Mas só nesse tempo. Porque há outros tempos. Em que também já morei. Conheço-os quase assim de cor. São os tempos de viver. Dia a dia. Passo a passo.
E de parar. E olhar á volta. E dar quantos passos forem precisos, na direcção que decidirmos escolher. Porque os caminhos, afinal, fazemo-los nós!

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