Pode ser Pedro

Ninguém lhe sabe bem o nome. A memória que lhe têm e curta e imperfeita.
Lembram-no das borras do café que pedia para as suas flores. Das cervejas e dos copos bebidos para apagar recordações que ninguém lhe ouvia. Dum dia quase ter sido engolido na noite por ter caido na estrada e lá ter ficado sem se ter dado conta. De ás vezes se zangar. De ás vezes se perder. De um dia chorar e ter pedido ajuda.

Nela ficaram mais memórias. E uma tristeza enorme. A de nunca lhe ter chegado. Embora tivesse tentado. Ouviu-lhe o pedido. Chamou-o. Conversou com ele.
O Pedro era um preto num mundo de brancos e sentia-se assim. Tinha vindo de Angola há muitos anos. Vira morrer toda a sua família, pai, mãe, irmãos... E o olhar dele perdia-se nas memórias do que vira e emudecia-se. Distanciava-se os olhos rolavam e falava para novos interlocutores, novas conversas, doutros pesares e doutras vidas.
Depois regressava e falava dos seus jardins. E revoltava-se. Gostava do que fazia. Não compreendia como não lhe pagavam. Como achavam que uma bucha lhe pagava o trabalho. Mas iria receber tudo. Ninguém lhe iria ficar a dever! Depois acomodava-se de novo.
Sentia que ninguém o respeitava. Não tinha cor para isso. Até a roseira a que tanto cuidado dedicava... Um dia voltava do trabalho quando deu por ela depenada. Nem uma rosa!
E alheava-se de novo. E buscava novos parceiros, invisiveis, de conversa. E a conversa fluia noutros sentidos que ela não descortinava. Ela olhava-o e esperava-o. Sempre o esperou. Para o apaziguar. Como queria e achava que devia.
O Pedro deixou de aparecer. Deixou de pedir a cerveja de se sentar ao seu lado. Por muito tempo. Um dia mandaram-lhe recado. Encontraram o Pedro morto em casa.
Gelou. Nada tinha sido feito. Nada do que ela tinha planeado para ele.
Agora restava-lhe restituir-lhe as rosas que uma vizinha, um dia á toa, lhe tinha roubado.
Fá-lo-ia!

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