I'm willing to give it a try
You only stay with me in the morning
You only hold me when I sleep
I was meant to tread the water
But now I've gotten in too deep
For every piece of me that wants you
Another piece backs away
You only waited up for hours
Just to spend a little time alone with me
And I can say I've never bought you flowers
I can't work out what they mean
I never thought that I'd love someone
That was someone else's dream
You give me something
That makes me scared alright
This could be nothing
But I'm willing to give it a try
Please give me something
Because someday I might call you from my heart
But it might be a second too late
And the words that I could never say
Are gonna come out anyway
Música e letra de James Morrison
Magia
Ele adorava mágicos e truques, e pombas e capas... Esbugalhava os olhos nos espectáculos que devorava.
Quando o recebeu, correu para um canto e apressou-se a experimentá-lo. Ia finalmente realizar o seu sonho de tirar coelhos de chapéus.
Ia... Porque não o conseguiu.
A varinha não funcionava!
Vem direito ao pai, zangado, derrotado, infeliz e pede.
Pai, devolve, a varinha. Está estragada! Não funciona, não faz magia!
Lembrei-me, por isso, do que para mim é mágico quando ainda não desvendo, mas ainda me deslumbra. As vozes que ouço e me acariciam os ouvidos. As palavras que leio e parecem entender-me. As imagens que vejo, e sei retocadas, mas tocam a alma... As pessoas que invento pelo que vou sabendo.
Depois, e ás vezes, confrontada com a realidade, tocando, cheirando, sentindo, vendo, a magia vai-se.
E apetece-me também devolver.
Voltar ao estado de deslumbramento que me fazia sonhar.
Ou então, confesso, ficar á espera de pouco ou coisa nenhuma. Sempre de alguma varinha estragada.
Mas quando ela funciona...
Cresço, cresço muito, porque sou ainda pequenina e, talvez por isso, acredito em Magia.
Shiu...!
apressam-se em torrentes loucas.
E perdem-se.
E perco-as.
Escapam-se-me.
E fico-me á espera que voltem...
Em sossego.
Não me voltem a fugir
pelo susto dos gestos
inadvertidos...
Visito o Futuro
Para não alimentar a saudade visito o futuro, que sonho, assim de brincadeira.
Rodrigo Leão e Beth Gibbons - "Lonely Carousel" com imagens do filme " Love Actually" (vídeo não oficial em My Fly Away)
A vida dos traços
Não são poesia
Acordam olhando o mesmo mar do alto da mesma serra. Todos os dias. Todos os anos.
Sempre juntas. Sempre sós.
Espelharam-se.
Como tanta gente que conheço e sinto assim!
Iguais, porque moldadas pelo passar dos anos. Semelhantes como se fossem feitas para serem pares, acomodam-se e ficam -se como se não tivessem ,mais, pés para andar, sonhos para viver.
Ou então, são árvores...
Sim. São árvores!
E correm-lhe pelas veias, seiva em vez de sangue.
E o fogo que as consome é real. E são cinza no sentido literal. Não metafórico.
Não são poesia. São gente. Isso!
Pode tudo consumir-se á sua volta. Permanecem impunes.
Pode haver dor. Sorriem.
Aridez. Florescem.
Noite. Amanhecem.
São. Simplesmente.
Como tudo é. Ou não é.
Porque há quem morra de pé. Como as árvores.
As nossas conversas
Fantasiavamos, brincavamos. Fingiamos que eramos outros e viviamos outras vidas nas nossas. E as conversas fluiam, mesmo assim. Mesmo nas roupas que outros vestiam e que nós ensaiavamos, vestindo também. Tão bem!
Chorávamos e ríamos. Quantas vezes! E abraçados no fim, amávamo-nos. Sempre, como nunca. Sempre como na primeira vez. Era só a que sabíamos. E era sempre ao que nos sabia. De tão intenso e poderoso. De tão puro e inocente. De tanto descobrir ainda.
E as conversas não paravam. Eram um vício que nos transportava a outros tantos. Ás descobertas de outros mundos em nós. E tinhamos tantos... Que nunca os descobrimos todos.
Por isso temos ainda vontades de conversas por tempos que ainda estão para vir.
Porque se enrolam em nós. Porque crescem sem parar as vontades sem destino. Porque não lhes falta o alimento que lhes cresce no ar que respiramos, nas coisas que abraçamos com os olhos e sentimos com a alma.
Porque somos dois, ainda.
Mesmo longe. Mesmo ausentes
Porque as conversas não precisam de corpos.
Porque o mar lhe metia medo
O anel de pensar claro e certo
Tinha nascido dum desejo formulado sem intenção. Não tendo como resultado final as imagens que lhe deram forma, tornou-se um fiel companheiro. Trazia-lhe ao presente, tempos que não queria voltar a viver. Espicaçava-a para novas vidas. Lembrava-a e forçava-a a andar em frente. Com força e determinação. Olhar para trás, serviria para se certificar que nada voltaria a ser como dantes. Só.
Agora era ver na amplitude que o olhar lhe permitia. E viver aí em cada instante e pedaço. Sem a pressa de chegar. Com a alegria de viajar. E com a fome e a sede saciadas sem limites e em prazer. Tudo a enternecia duma forma que desconhecera até agora. Tudo tinha um brilho mais intenso, uma importância maior. A vida sabia-lhe ao que era.
Finalmente o anel que era de outros tempos, turvos, pesados... Trazia-lhe a leveza e a claridade que nunca sonhara.
Era um anel de pensar claro e certo.
A tesourinha
A história que lhe deu nome começou de forma inesperada e tornou-se insólita. Por tanto de estranheza e de acumular de coincidências. Por isso me atrevo a contá-la. Coisas que acontecem e não se repetem jamais.
Estava a mãe já com filhos crescidos e sem projectos de mais, em periodo de menopausa, quando um dia, por se sentir mal, decidiu ir ao médico. Há algum tempo que sentia a barriga crescer e algum desconforto de que não suspeitava a causa. Era um "mioma", diagnosticou o médico. Estava a crescer e em algumas situações esse estado podia até assemelhar-se a uma gravidez. Como já estava muito grande o melhor seria retirar. Assim ficou combinado.
Deu entrada na sala de operações, para se aliviar e despojar dos orgãos, que tinham já dado algumas vidas, a par com o "mioma" que, a atormentava e crescera de forma desmedida.
A surpresa veio, quando ao abri-la, o cirurgião se deparou com um feto já em franco desenvolvimento. Fechada á pressa é deixada á sua sorte no corredor.
O marido que, por um acaso, teve de ser socorrido nesse hospital no mesmo dia e enquanto isto se passava, foi ter com ela. Encontra-a em sofrimento e dá-se conta que a sutura que lhe tinha sido feita se encontra em rotura. Alerta o pessoal médico que rápidamente a socorre e trata, desta feita, convenientemente.
Carrega agora, durante mais dois meses, a gravidez que não sonhara, mas acalenta com ternura e mil cuidados. Chegado o tempo que bastava a uma e a outra, nasce a criança que embalara em si.
Ao pulso da bébé vem presa uma tesoura. Tinha sido deixada por desleixo e pressas carregadas de culpa, dentro da mãe, aquando da intervenção.
Sem o saberem, mãe e filha cuidaram uma da outra. Tudo agora ficara reparado pelo nascimento.
Foi daí que veio a alcunha carinhosa de tesourinha, pela qual ainda hoje é conhecida.
Já mãe lembra ainda como tudo poderia ter sido negativo para ambas. E como ás vezes ainda há milagres!
(O médico ficou proibido de exercer medicina em hospitais públicos, continuou no entanto a exercer em clinica privada. Resoluções doutros tempos!)
Em segredo
Não te bato á porta de propósito. Vou descalça em surdina.
Que ninguém pressinta, nem mesmo tu.
Fico quieta a olhar-te. Como me sabe tão bem fazer. Ouço-te o riso, enquanto o teu cheiro me envolve. Fico-me neste abraço que te roubo. E pairo, leve, leve.
E deixo-me ficar.
Como quem vê alguém dormir e respira de mansinho a procurar sintonia.
Como gosto de te sentir dormir.
Aquieto-me um pouco, aqui neste cantinho onde tu não suspeitas que te olho. E sonho-te.
Como barco sem remos deixo-me ir á deriva pelos pensamentos que nascem por ti.
Sabem-me a tardes frescas em tempo de calor. Assim sacio a sede que tenho de ti.
Agora vou. Voltarei. Sei que sim.
Coisas minhas
Achei curioso. Talvez por me rever nalguns gestos.
Porque essas urgências me são familiares. E cumpro-as, não vá a memória trair-me. Porque as palavras que tomam corpo no caderninho onde as desenho têm a cor da minha alma e o sabor sentido do bater do coração. São magia pura. Confesso a paixão que lhes tenho e o prazer infindo de as fazer brotar. Coisas minhas... pensava eu.
Coisas de tanta gente!
No dia da maré estranha
Durante toda o dia, debaixo de um céu opaco e turvo, as águas foram aumentando, chegando a alturas jamais vistas. As ondas rebentavam serpenteando-se pela areia queimada que anos a fio somemte pouca chuva humedecera e morriam nas bases das dunas. O casco amortalhado do "Principe das Marés", jazia encalhado no fundo do mar há já tanto tempo que ninguem de nós se lembrava quando terá pensado que ia ser de novo lançado ao mar.
Após esse dia, não mais voltei a nadar.
As gaivotas e outras aves marinhas grasnavam , subiam e desciam como doidas, como que excitadas pelo espectáculo daquele enorme amontoado de água de uma cor estranha e de brilho funebro... Nesse dia, essas aves pareciam estranhamente brancas como se tivessem barriga de peixe. As vagas ao rebentarem, deixavam uma fina espuma suja e amaraleda ao longo da linha da costa. Ninguem via uma vela de barco no distante horizonte.
Não mais, não mais voltei a nadar.
Mas o passado, pulsa dentro de mim como um segundo coração. A minha Deusa partiu ao amanhecer.
Para dizer a verdade, eu não estava lá quando aconteceu. Tinha ido até ao mar para respirar o ar lustroso da manhã. E naquele momento tão calmo e melancólico, recordei um outro momento, há já algum tempo atrás, neste mar. Tinha ido ao mar, não me lembro porquê. O céu estava enovoado e nem uma brisa agitava a sua superficie, as ondas pequenas desfaziam-se languidamente na orla da água, continuamente, como uma bainha interminavelmente pespontada por uma costureira ensonada. Eu estava de pé com a água até à cintura. A água era perfeitamente transparente pelo que podia ver nitidamente a areia ondulada no seu leito pequeninas conchas e pedacinhos de tenazes partidas de caranguejos, e os meus pés lividos e estranhos, como espécimes exibidos em redomas de vidro. Enquanto estava ali parado, de repente, não, não foi de repente, mas antes numa espécie de encapelamento progressivo, o mar engrossou, não era bem uma vaga, mas um ondular lento e suave que parecia vir das profundezas como se qualquer coisa imensa se tivesse agitado lá no fundo e senti-me levantado por breves instantes e arrastado para o areal e em seguida voltei a pousar tal como antes, como se nada tivesse acontecido. E, de facto, nada tinha acontecido, uma ninharia sem importância, apenas mais um encolher de ombros indiferente deste vasto mundo.
Depois, alguem me veio chamar. Virei-me e segui a minha Deusa como se estivesse a caminhar pelo mar dentro."
Apesar de anónimo reconheço-lhe a voz. E a vontade enorme de partilhar alguém assim, leva-me a trazê-lo da sombra e ter a audácia de o fazer caminhar a meu lado. Bem haja por ser quem é!
Ainda não
Esperava-a. Abriu-lhe a porta para não o voltar a fazer. Não se deu conta que a recebia em despedida. Não o pressentiu. No entanto era a ultima vez que estariam assim.
Nas conversas que cresciam fáceis e próximas falou-lhe do filme "Les choristes". Nesse momento, ela, decidiu guardá-lo. Ali. Na memória das memórias que nele viviam.
Sabia, numa certeza que construíra ali naquele momento, que esta seria a última noite. E esta, era a forma que teria para o viver, quando as memórias o chamassem.
Tinha-lhe dado tudo. Desvendara-se já. Demasiado nua, porque se mostrara inteira, sabia que nada mais poderia dar. E que nada mais deveria receber.
Guardou-lhe a memória como se dela fosse. Apressou-se a aprisioná-la. Porque, a ele, não o prenderia nunca.
Nas lágrimas que lhe subiam á garganta buscou a força para um sorriso. Era tudo o que ainda lhe restava para partilhar. A certeza duma paz que ele nunca a quiz fazer perder.
Queria-lhe muito. De tanto lhe querer, tinha de o deixar. Não seria nunca seu. Sabia-o.
Não o deixou olhar para dentro de si naquele tempo. Seria só dela a decisão. Só dela o que houvesse para chorar. Isto não seria a dois. Era o único segredo que em si deixava. O unico pedaço de si que ele nunca visitaria e de que nunca se daria conta. Um espaço e um tempo só seu.
Não queria nunca ser assim de alguém. Ainda não.
Corrente
Chamou as lembranças que dele tinha embora poucas vezes o tivesse visto. Nunca o conhecera bem. Era uma peça que sabia ser parte sua. Porque lho disseram, não porque o vivesse.
Conhecia-o das histórias que lhe contaram. De como tinha sido rebelde. Do fio de linha com que lhe uniam os pés para não se mexer. Da sua fuga para outras vidas.
A voz de lá pertencia a uma sobrinha que nunca conhecera. Perguntou. Quando? Como? Sim, vou aí ter!
Naquele instante deu-se conta da perda. Nunca o tivera e perdera-o para sempre. Sentiu dentro de si, estalar o elo duma corrente que nunca imaginara. Como se ela estivesse, daquela forma, ligada a ele. Por uma corrente de sangue. A que sentiu era de metal. Viu-a abrir-se soltar-se e desaparecer. Sentiu-lhe a falta e o vazio. Com uma dor que nunca antecipara.
O irmão tinha morrido e a corrente, da qual ignorava a existência, quebrara-se.
A desconfiança
O sapateiro
Um puzzle
Tudo seria muito mais simples se a sua vida e o que ele era, fosse a mera construção dum imenso puzzle. Seria só necessário procurar e encaixar as peças. Procurar ou deixar que aparecessem. Bastaria estar alerta.
Assim o fez. Construiu-se e por muito tempo sentiu-se um puzzle completo onde todas as peças encaixavam na perfeição. Julgou-se pleno e feliz.
Um dia algumas peças desajustaram-se e deram lugar a vazios que julgou irreparáveis.
Descobriu, então, que mesmo sendo o puzzle que se sonhara estaria muitas vezes incompleto. Que teria de se reparar e reconstruir a cada passo.
Ajustou-se então, na medida dos espaços que tinha vagos e por encher.
Penso que agora já concluiu que o seu puzzle nunca estará terminado. Não terá mesmo, peças com lados rectos. Porque ele e a vida não terão limites.
Penso também que agora não perseguirá a plenitude com data marcada num futuro qualquer.
Terá descoberto que a felicidade se encontra em cada peça que vai encaixando.
Pressinto-o quando o vejo.
Ah! o puzzle? Está em franca construção.
Há coisas assim
O sabor das palavras
Estranho como a boca de quem lhes dá vida lhes tira ou dá alma nova.
Como se perde o sentido que pensamos estar dentro delas. E como nos dói quando as ouvimos e desconhecemos.
Mesmo que procuremos a nascente não descobrimos os caminhos que percorre. Percebemos que algures, a meio do percurso, se fizeram diferentes pelo uso que lhes deram.
Apunhalada, a palavra, perde a pureza da inocência. Ganha cores e sabores de quem as navega. De quem as usa. E a mesma palavra, a mesma conjunção de letras adquire mil significados. E as palavras que amo, traiem-me. Porque usadas por outros têm às vezes sabor amargo.
Como Liberdade, como Democracia.
Letras
Lembra-se ainda do jornal que partilhava lá em casa com ele. Na parte que era sua liam-se aventuras de Príncipes Valentes, heróicos e cavalheirescos. Primeiro foram os desenhos depois as legendas. Sabia que a cada domingo, na mesa do café onde o compravam e depois se instalavam, qualquer coisa de novo podia ter acontecido as personagens que conhecia. Cuidava delas com carinho. Vivia com elas as tristezas, as alegrias e os anseios.
De vez em quando alguém se sentava e perguntava. Então rapariga, já sabes ler?
Sabe, sabe, quer ver? Olha, lê lá isto!
Descia das aventuras do seu príncipe dos domingos e lia um artigo qualquer sobre coisas que lhe eram estranhas.
Acabava de ler e voltava de novo ao que deixara em espera.
Muito bem! Rapariga desempenada. E é novita, ainda!
Pois é! Respondia ele com orgulho.
Axel
De tanta raiva.
Era único. Conquistou-me sem demoras. Um bébé grande e pesado.
Revelava em ti partes que não assumias. Na forma especial de estares com ele. Na maneira como brincavam e se entendiam.
Como o conseguiste fazer?
Doi-me porque não entendo.
Doi-me como se tivesse sido meu. Porque o foi também um pouco.
Tive longas conversas com ele. Soube mais de mim do que algum dia tu saberás.
E mimava-me com aquele olhar doce tão peculiar.
Era sem dúvida a parte melhor de ti.
E ... nem o consigo dizer. Porque me parece impossivel.
Como foste capaz?
Choro-o.
Sei que o vou chorar por algum tempo. Pelo tempo da lembrança.
Que raiva que eu sinto de ti!
Axel grande e doce, amigão! Companheiro.
Que dor por ter sido assim. Por não ter chegado ainda o teu tempo.
Nunca pensei chorar-te. Nunca o tinha feito apesar da distância.
Faço-o agora com a náusea de saber como foi.
O ritual
Um beijo leve, na testa, com vagar. Depois um olho e outro olho. Em cada toque a legenda.
Uma orelha, um queixo, o pescoço.... e desce em ternura.
Na barriga interrompe-se. Prepara no umbigo o momento inevitável. Enche as bochechas e fá-las explodir em contacto com a pele dela.
A gargalhada irrompe.
Levanta a cabeça, olha-a.
Os bracitos no ar, os olhos brilhantes de riso, fazem-na rir também.
Felizes relaxam. Em abraço.
Mãe e filha cumpriram o ritual.
Quase perfeito
Quase perfeito- Donna Maria
Sabe bem ter-te por perto
Sabe bem tudo tão certo
Sabe bem quando te espero
Sabe bem beber quem quero
Quase que não chegava
A tempo de me deliciar
Quase que não chegava
A horas de te abraçar
Quase que não recebia
A prenda prometida
Quase que não devia
Existir tal companhia
Não me lembras o céu
Nem nada que se pareça
Não me lembras a lua
Nem nada que se escureça
Se um dia me sinto nua
Tomara que a terra estremeça
Que a minha boca na tua
Eu confesso não sai da cabeça
Se um beijo é quase perfeito
Perdidos num rio sem leito
Que dirá se o tempo nos der
O tempo a que temos direito
Se um dia um anjo fizer
A seta bater-te no peito
Se um dia o diabo quiser
Faremos o crime perfeito
Falar, declarar...
Arruma agora cuidadosamente na prateleira. Sem receio. Viaja com tudo mas já não o carrega. Está seguro, catalogado, encontrou o seu lugar.
Segue em frente, tranquila de novo. Aquietada por saber melhor. Por tudo agora ser mais claro e visivel.
Sabe a direcção a tomar. Olha em frente. Sente o rumo.
Depois do Jantar
É só dela naquele momento. Por muitos momentos e noites.
Até que um dia não o encontra lá. A pouco e pouco deixa de sentir o ninho a que ele a habituara.
Pudera, estavas sempre em cima dele! Nunca o deixavas sossegado!
A culpa era dela e não o sabia. Tinha-o perdido de tanto o querer.
Aprende, ainda pequena, que só conserva se não se servir. Se mantiver a distância mesmo que lhe apeteça o toque, o conforto.
Saberá que nunca vai voltar a pedir. Aceitará o que lhe derem. Com a sofreguidão que se tem, quando nada é nosso. Para poder ter.
Casulo
Olha-a com ternura. Quer pô-la dentro de si para que repouse segura. Como num casulo.
A lista
O desejo
Se a espera pelo inesperado e pela surpresa me bastavam. Como arrumaria eu, o desejo? Respondi que o adormecia porque tinha consciência de que existia.
Adormecer? Interroga de novo e espera.
Não, não falava dum desejo que morre ou morreu. Tranquilizo. Era do desejo que embalava enquanto dormia para viver em planura.
Claro que acorda muitas vezes esse desejo. Volto a aninhá-lo. Quando chegar a altura vem em descanso com nova energia. Renova-se e cumpre-se. Sem dores.
Compreendo agora. Respondeu
Penso que acalmou também. Porque uma vida sem desejo, não a imaginava ele.
L'étonnement
Confesso mesmo que já não espero nada há muito tempo. Faço-o quase por obrigação.
Apetece-me mais o espanto. A surpresa. A admiração.
Com isso não conto e sabe sempre bem.
O inesperado. Em vez do desejado. Porque pelo facto de ser só desejo não é nunca futuro. Amanhã.
Sê-lo-á de quando em vez. Mas já sofrido. Vivido.
Recuso-me a fazê-lo. Para meu bem. E tranquilidade.
Por isso me comovi. Por isso mexeu dentro de mim. Apesar da tristeza que o acompanhou. Apesar disso.
L'étonnement.
Em borboletas
Borboletas? Ridiculo!
Franze o sobrolho. Porquê borboletas? De que cores, de que feitios, de que tamanhos?
Como se lhe apetecessem borboletas!
Ridiculo!
Ele insiste. Verdade, não te deixes ir abaixo. Borboletas, lembra-te.
De novo?
Está bem. Borboletas...
De muitas formas. Isso, borboletas com muitas, diversas formas. Asas grandes, pequenas.
Muitas. A voar. Em pausa...
Sente-lhe os olhos. Os olhos grandes de ver mundo. Nítido. E um sorriso. Em borboleta. Sim borboleta!
Via-as agora claramente. Suaves, tranquilas...
Resultara. Nada estranho afinal.
Com as borboletas, voaram os pensamentos que a afligiam.
Agora, sempre que precisar, vai pensar em borboletas.
E virá o sorriso. E verá também com olhos de ver claro. O que interessa ver.
Como quem ata uma fita na perna duma cadeira e lhe dá três nós, recitando a cantilena mágica. Apareça, apareça o diabo sem cabeça.
Ou como quem conta carneiros até que o sono caia.
Pensar em borboletas. Deixar-se ir.