As nossas conversas

Usávamos as conversas com o mesmo á vontade com que vestiamos as roupas, com o feitio que o corpo lhes tinha já dado. Como se sempre tivessem existido, e não tivessem tido outro propósito senão, o de terem tido sido sempre nossas. Tinham as nossas medidas, os nossos sonhos, as nossas dúvidas e os nossos anseios. Cabiam e mexiam-se aí como em casa própria e usada rotineiramente mesmo que, por espaços , vazia.
Fantasiavamos, brincavamos. Fingiamos que eramos outros e viviamos outras vidas nas nossas. E as conversas fluiam, mesmo assim. Mesmo nas roupas que outros vestiam e que nós ensaiavamos, vestindo também. Tão bem!
Chorávamos e ríamos. Quantas vezes! E abraçados no fim, amávamo-nos. Sempre, como nunca. Sempre como na primeira vez. Era só a que sabíamos. E era sempre ao que nos sabia. De tão intenso e poderoso. De tão puro e inocente. De tanto descobrir ainda.
E as conversas não paravam. Eram um vício que nos transportava a outros tantos. Ás descobertas de outros mundos em nós. E tinhamos tantos... Que nunca os descobrimos todos.
Por isso temos ainda vontades de conversas por tempos que ainda estão para vir.
Porque se enrolam em nós. Porque crescem sem parar as vontades sem destino. Porque não lhes falta o alimento que lhes cresce no ar que respiramos, nas coisas que abraçamos com os olhos e sentimos com a alma.
Porque somos dois, ainda.
Mesmo longe. Mesmo ausentes
Porque as conversas não precisam de corpos.

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