A tesourinha

A alcunha nascera-lhe quando ela o fizera. E ficou-lhe pelos tempos que vieram.
A história que lhe deu nome começou de forma inesperada e tornou-se insólita. Por tanto de estranheza e de acumular de coincidências. Por isso me atrevo a contá-la. Coisas que acontecem e não se repetem jamais.
Estava a mãe já com filhos crescidos e sem projectos de mais, em periodo de menopausa, quando um dia, por se sentir mal, decidiu ir ao médico. Há algum tempo que sentia a barriga crescer e algum desconforto de que não suspeitava a causa. Era um "mioma", diagnosticou o médico. Estava a crescer e em algumas situações esse estado podia até assemelhar-se a uma gravidez. Como já estava muito grande o melhor seria retirar. Assim ficou combinado.
Deu entrada na sala de operações, para se aliviar e despojar dos orgãos, que tinham já dado algumas vidas, a par com o "mioma" que, a atormentava e crescera de forma desmedida.
A surpresa veio, quando ao abri-la, o cirurgião se deparou com um feto já em franco desenvolvimento. Fechada á pressa é deixada á sua sorte no corredor.
O marido que, por um acaso, teve de ser socorrido nesse hospital no mesmo dia e enquanto isto se passava, foi ter com ela. Encontra-a em sofrimento e dá-se conta que a sutura que lhe tinha sido feita se encontra em rotura. Alerta o pessoal médico que rápidamente a socorre e trata, desta feita, convenientemente.
Carrega agora, durante mais dois meses, a gravidez que não sonhara, mas acalenta com ternura e mil cuidados. Chegado o tempo que bastava a uma e a outra, nasce a criança que embalara em si.
Ao pulso da bébé vem presa uma tesoura. Tinha sido deixada por desleixo e pressas carregadas de culpa, dentro da mãe, aquando da intervenção.
Sem o saberem, mãe e filha cuidaram uma da outra. Tudo agora ficara reparado pelo nascimento.
Foi daí que veio a alcunha carinhosa de tesourinha, pela qual ainda hoje é conhecida.
Já mãe lembra ainda como tudo poderia ter sido negativo para ambas. E como ás vezes ainda há milagres!
(O médico ficou proibido de exercer medicina em hospitais públicos, continuou no entanto a exercer em clinica privada. Resoluções doutros tempos!)

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