O crachá do Porto

No fundo, esquecido, como se nada valesse, no fundo duma caixa com brilho de novo e cheiro a velho, jazia envergonhado. Encolhido mas sedento. De novas aventuras sentidas. Azul e ouro debotado. O crachá do Porto. Antes viajante orgulhoso de lapelas de casaco. Por tantos lugares e sentires. A prova dum amor a uma terra , a um clube. Não tão glorioso como no presente mas com a glória de ser amado por quem e como foi.
Maria esboroou-se. Era de novo a presença dele que consumia o ar que respirava. E sonhou. Regressou ao tempo em que dançava com ele pés nos pés. Os braços pequenos á volta das pernas e a valsa sentida que o coração ritmava. Eram um só e só um do outro. Naquele tempo e para sempre. Nada nem ninguém cabia naquele aperto que nunca iria acabar. Não podia. O coração inchou. O peito tremeu e ampliou-se para o albergar. Um homem tão Grande precisa dum coração á medida. E Maria decidiu que queria um coração do tamanho do mundo. Do mundo de tantas coisas...
Há tanto tempo! E podia ser agora, tão presente estava o sentir.
Do tempo em que Maria “sabia” que se nasce com nome e os pais que nos calham. Como escolheste os teus pais, Maria? Como?! Se já cá estavam...
A cor dos olhos, a vida que temos, as cores de que gostamos, os sabores, os afectos, os clubes pelos quais vibramos, tanta coisa com que se nasce e não conhecemos. E as memórias de Maria não tinham ainda esses registos. Era preciso que as coisas e os outros lho lembrassem. E eu, a que clube pertenço? Por quem vou vibrar? Quem me vai levar a correr mundo e a viver na ânsia do que for? E o Homem do crachá, na sua imensidão disse-lhe: Tu? Tu és do Benfica.
Maria parou. Como podia ter nascido noutro clube se lhe parecia serem o mesmo: ela e aquele homem, um só! Que mistério era aquele?
Mas ele sabia. Só podia. Ele era o detentor de todas as coisas. De todas que ela aprendera a amar. E ia amar muitas mais. Nesse momento Maria aprendeu que no seu coração muitos mundos iriam caber.
E Maria ainda hoje é do Benfica. Com uma gratidão enorme pelo Homem do Porto. O homem que soube descentrar-se e mostrou uma capacidade de amar que Maria quer sentir. Por isso ainda hoje o coração de Maria cresce no exercício constante da vida.
E, às vezes, ao lado do coração de Maria, viaja o crachá do Porto que para sempre se alojou no seu interior.
Como o Homem a quem pertencia. E pertence, pois então!

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